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Date(s)
- 2023-12-04 (Creation)
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Documento simples
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175MB; suporte digital (mp4)
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Administrative history
Fundado em 1994 , o CIDEHUS começou por designar-se “Centro de Investigação e Desenvolvimento em Ciências Humanas e Sociais”. A sua área disciplinar nuclear era então a Sociologia.
A sua atividade organizava-se em quatro grandes campos:
1) Sociologia do Desenvolvimento;
2) História da Europa do Sul e do Mediterrâneo;
3) Educação e formação profissional;
4) Linguística Geral.
Em 2001 , quando passou a ter na História a sua disciplina nuclear , mudou de designação para Centro Interdisciplinar de História, Culturas e Sociedades . Manteve a mesma sigla (CIDEHUS) e organizou-se em seis linhas:
1) O Sul: dinâmicas sociais e políticas
2) O Sul: culturas, discursos e representações
3) O Sul: património edificado, cultura material e arqueologia
4) Portugal e a Europa
5) Portugal e o Mediterrâneo
6) Portugal e os espaços de presença lusófona
Em 2007 , o CIDEHUS fixou a sua atenção nas problemáticas do Sul , condensando as anteriores linhas em três grupos:
RG1: O Sul e o Mediterrâneo: dinâmicas sociais e culturais
RG2: Património, Cultura Material e Arqueologia no Sul da Europa e no Mediterrâneo
RG3. Bibliotecas, Literacias e Informação no Sul
O programa nuclear foi de novo reajustado em finais de 2013 , configurando-se em torno de: «História, património e mudanças societais: um laboratório do Sul», ramificando-se em duas linhas temáticas, subdivididas em grupos – “L1: Mudanças societais” e “L2: Património e diversidade cultural” – e num grupo de articulação – Literacias e património textual.
O CIDEHUS assumiu então o modelo de laboratório para salientar o seu dinamismo e o seu interesse no conhecimento aplicado .
Em 2018 , o CIDEHUS sofreu uma nova reorganização, passando a dividir-se em apenas dois grupos:
G1 – Mudanças societais
G2 – Património, Literacias e Diversidade cultural.
Com esta alteração, o CIDEHUS pretende reforçar a coesão, estimular o trabalho colaborativo e potenciar as abordagens interdisciplinares.
No passado recente do CIDEHUS, destacam-se ainda os seguintes marcos institucionais:
- 2013 – Criação da Cátedra UNESCO
- 2014 – Criação do Laboratório de Demografia (DemoLab)
- 2016 – Lançamento do CIDEHUS Digital
- 2017 – Criação Laboratório de Turismo (Tourism Creative Lab).
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Scope and content
Composto pela gravação audiovisual da entrevista e a respetiva transcrição.
Transcrição Maria do Carmo
Entrevistada: Maria do Carmo (MC)
Entrevistadoras: Maria Ana Bernardo (MAB) e Manuela Oliveira (MO)
Transcrição: Diana Henriques (05/12/2023)
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MO:
Maria do Carmo apresente-se então
MC:
Eu sou a Maria do Carmo, natural de Portel nasci aqui, fiz aqui a minha vida e aqui continuei a viver.
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MC:
Tive uma infância boa. A minha mãe trabalhava numa casa numas famílias ricas, nunca faltou nada na mesa. Nunca passei dificuldades. O meu pai era trabalhador rural e nunca nos faltou nada. Tive uma infância feliz, na casa dos meus pais.
MO:
E estudou
MC:
Fui à escola, fui até à quarta classe, era uma excelente aluna. E houve uma altura em que terminei a quarta classe e os professores, as professoras dessa altura foram falar com os meus pais para eu ir para a quinta e sexta classe, que era o que havia na altura. E o meu pai, tenho esta versão ainda hoje gravada na minha, na minha ideia que o meu pai disse aqui não à nem quinta, nem sexta, o cesto é o da azeitona. Ela vai à azeitona. E eu a sair da escola com onze, doze anos fui à azeitona.
MAB:
Começou a trabalhar?
MC:
Sim, com grande desgosto meu. E comecei a trabalhar.
MAB:
E a partir daí continuou?
MC:
E a partir daí continuei sempre a trabalhar como meu pai. Sempre. A trabalhar no campo.
MAB:
E os seus irmãos?
MC:
O meu irmão mais velho já teve uma vida diferente da minha. Fez a quarta classe, também era muito bom aluno, era afilhado do doutor Galhordas e ele disse o António José vai para Lisboa, vai estudar, vai trabalhar. Foi trabalhar para uma fábrica, havia uma tia minha que vivia em Lisboa e ele foi para casa dessa minha tia. E ele trabalhava na fábrica e à noite ia estudar. O padrinho pagou-lhe os estudos e ele avançou na vida. Infelizmente, já cá não está entre nós. Faleceu de uma doença, dessas doenças graves.
E o meu outro irmão mais novo já foi mais burrinho. Andou sempre no campo, mas não aprendia nada, mas nessa altura se ele tivesse a ideia que eu tinha, o meu irmão teria ido já, já havia, as coisas já eram de outra maneira. A minha mãe já dizia, se ele fosse bom na escola já ele ia estudar, mas ele não. Até a quarta classe ele custou a fazer, ele não aprendia, tinha dificuldades em aprender. E foi assim a nossa vida.
MO:
E lembra-se do 25 de abril?
MC:
Claro que me lembro do 25 de abril. Olhe o 25 de abril foi, eu acho que foi das melhores coisas que houve. Porque antes do 25 de abril eu morava numa rua, que era a rua do Alfoz (?) a seguir ao castelo e há ali um largo que é o largo Miguel Bombarda, onde só viviam ricos. Eram quatro, que viviam lá, era o Manuel da Corte, o Fonseca e os dois Amarais. E lembro-me perfeitamente do meu pai, ir para aquele recinto, aquele largo, ele e mais homens a pedir trabalho à porta desses ditos ricos e eles vinham à porta e tu, tu e tu, saiam para aquele lado. E a maioria ficavam lá, eram escolhidos, aqueles que eles lhes agradavam mais. E então havia muita muita muita miséria.
MAB:
Quando as pessoas não tinham trabalho o que é que faziam?
MC:
Viviam que era miséria. Levavam os dias ali no largo da agrícola, naquele largo onde é a caixa geral de depósitos à procura de trabalho. Se alguém passava, que lhe propusesse trabalho. Era miséria, miséria. Eu vivi numa rua que era uma rua mesmo só de pobreza, onde só havia, muitos filhos. Nós eramos três, mas havia além casas que havia sete e oito irmãos. Que era mesmo, mesmo, mesmo miséria. A minha mãe tinha uma vizinha, que já faleceram, e essa vizinha, às vezes a minha mãe, trabalhava na casa dos ricos e trazia de lá coisas que lhe davam e diziam vai lá levar à Mariana. E ela ia-lhe levar coisas poucas, um bocadinho de pão, e um bocadinho de azeite e com isso ela fazia uma açordinha de alho para ela e para os filhos. E ela vinha à rua, lembro-me como se fosse hoje e dizia assim, hoje até vejo o sol bem, o que a Maria me veio aqui levar, fiz uma açordinha para mim e para os meus filhos, que nos soube tão bem, à não sei quantos dias que não comíamos.
MAB:
Na casa dos seus pais eles faziam matança?
MC:
Na casa dos meus pais faziam matança sim.
MAB:
E depois dividiam?
MC:
E dividiam sim. Aquilo no final ficava tudo em nada. Era um pratinho com chamavam-lhe na altura um jantar, um jantar de ossos. Com um bocadinho de toucinho, vai lá levar à menina, à vizinha Maria, à vizinha Antónia, à vizinha outra e a rua toda comia aquele jantarinho e a gente comíamos também só uma vez do porco. Era assim mesmo. Depois quando a outra vizinha fazia a matança, dividia por todos.
Havia igualdade entre todos. A vida eram todas iguais, mas havia mais amizades, porque não havia invejas, o que havia na minha casa, havia na outra e na outra. E era assim.
MAB:
E quando começou a ficar mais crescida e depois a pensar em namorar, como é que foi essas, como é que foi essa fase. Como é que era, como é que se relacionavam?
MC:
Olhe a minha fase do namoro foi complicada. Porque eu nas férias já ia a Lisboa, a casa de uma tia minha, a casa onde o meu irmão sempre viveu e estudou lá. E eu ia para casa dessa minha tia e então, conheci lá um rapaz, conheci lá um rapaz e comecei a namorar com ele. Depois vim para cá, por cartas e ia lá só de vez em quando.
MAB:
Por cartas
MC:
Por cartas. E há uma das vezes que o rapaz apareceu cá e eu parece que o estou a ver, que ainda não se usava cá aquelas grandes gabardines e ele já vinha de gabardine, com uma malinha na mão, todo muito finório e veio cá para falar com os meus pais. Foi uma carga de trabalhos, para o deixarem lá entrar, e porque não conheciam. Ele estava em Lisboa a trabalhar, mas era aqui de Viana do Alentejo. Era e é. Que é o marido que ainda hoje tenho. Mas foi muito complicado aquele namoro, a minha mãe porque ele estava em Lisboa e ele deve ter lá outra, e não casa contigo, e depois o que é que dizem aqui. Bem, foi uma confusão, tão grande, tão grande, que só eu sei o que sofri. E ele depois vinha e não ficava lá na minha casa, nem pensar. Ia ficar numa casa de uma tia minha, que também se conheciam, e ia lá ficar. Mas eu já lá não metia um pé na casa da minha tia, porque ele estava lá. Era muito complicado. Namorei assim seis anos. Cartas, ele vinha cá, mas mesmo complicado e a minha mãe sempre a bater o pé, ele deve casar deve, ele tem para lá outra, como ele aí aparece parece um doutor. E afinal namoramos seis anos e depois casámos e olhe ainda somos hoje casados. Era complicado.
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MC:
Portanto, os trabalhadores agrícolas.
MO:
Vai falar então um bocadinho sobre a sua participação política e cívica. Alguma associação ou algumas coisas que
MC:
Sim, eu pertenci à JCP na altura e depois comecei a fazer parte do sindicato dos trabalhadores agrícolas, que era na altura o escritório da reforma agrária, ali no, situado no largo do chafariz, na altura. E fazia parte lá também do sindicato e porque trabalhei depois também na reforma agrária e era lá que nós íamos receber o ordenado, ia receber o meu e o do meu pai. A esse escritório.
MAB:
Como é que a senhora, como é que chegou a fazer parte do sindicato, ou seja, como é que e porque é que se filiou na JCP?
MC:
Porque fiz sempre aquelas ideias, aquelas ideias políticas que ainda hoje as tenho. E tenho dois filhos que ela é política e ele enão tem nada a haver com a política. Já houve aqui um ano, que em eleições em Portel, ela fazia parte da lista do PCP, como faz hoje sempre, como ainda é hoje, e ele fazia parte da do PS. E eu fazia parte com ela, da dela, sempre fui, por isso, cada um tem as suas ideias. E o pai é uma pessoa reservada, não sabemos se ele é da esquerda, se é da direita. É uma pessoa muito reservada. Apertamos, apertamos com ele, mas ele não diz nada. Vocês querem é saber.
MAB:
Portanto essa situação política e essa vontade de participação pública foi sempre uma coisa mais das mulheres cá
MC:
Sim, sim, sim, sim, foi minha e a minha Lúcia também foi. Embora ela já tivesse vindo noutra altura e as coisas já tivessem tudo mais avançado, mas viveu tudo isso comigo. Íamos às manifestações, ela ia comigo
MAB:
Levava-a para as manifestações?
MC:
Sempre, sempre, sempre. Havia qualquer festa do partido comunista ela ia comigo e já ia dizendo versos, que era pequenina e não sei quê. A ler e já fazia sempre parte de tudo. E ainda hoje é. Está na câmara de Évora hoje.
MAB:
E as mulheres aqui na vila começou, notaram que elas começaram a sair mais depois do 25 de abril?
MC:
Sim, sim muito mais.
MAB:
E a participar mais?
MC:
Sim e a participarem mais sim. Apareciam mais em tudo. A irem já a um café, porque se faziam aqueles almoços, por exemplo a gente do partido comunista e depois acabávamos os almoços e já íamos ali beber o café ao, ali a restaurante. Foi diferente, sim. Com mais saídas.
MAB:
E atualmente as mulheres tem muita participação em muita coisa, as mulheres, mesmo as mais idosas, não só as jovens?
MC:
Têm, têm. Mesmo aqui no nosso meio. Em tudo, em tudo. A gente começa aqui já pela Universidade Sénior, as mulheres participam mais, eu também já participei, no teatro, nas histórias, agora como tenho a menina tenho o tempo mais ocupado. E participam muito, muito as mulheres, mais do que os homens.
MAB:
Porque é que acha que é assim?
MC:
Essa parte eu também ainda não sei bem explicar porquê.
MAB:
Mas aquilo que vê é que as mulheres participam mais
MC:
Ainda levei o meu marido, ainda fazíamos parte da tuna, mas só da tuna, que ele disse só da tuna, das outras coisas não vou. E depois lá a professora dizia, não conseguem trazer os maridos, os maridos. Uma dizia, vou trazer o meu. Ninguém lá aparecia, era só a gente. Fazia, vestia. A Maria Cristina vestia-se de homem e fizemos assim teatros, eu de mulher e era assim. E os homens não participavam muito. A gente daqui é mais as mulheres. A mulher é mais pra frentex.
MAB:
No fundo a vida da mulher, talvez tenha mudado mais do que a dos homens?
MC:
Se calhar sim, porque estavam muito fechadas e tiveram uma abertura e nessa abertura, elas foram avançando sempre mais e eles já mais na retaguarda.
MAB:
E os jovens hoje?
MC:
Ora, os jovens hoje têm uma vida totalmente diferente, tudo já mais, tudo já mais liberal.
MAB:
Acha que hoje aqui em Portel faz diferença para a vida que a pessoa, ser homem ou mulher?
MC:
Não, não, não. Não há diferença aqui. Não, a juventude hoje andam todos juntos. Eu vejo pela vida da minha filha, para onde vai um, vai o outro. E é tudo, são, fazem uma vida e um conjunto igual.
MAB:
Em termos de costumes, aquela critica que havia, em relação ao comportamento
MC:
Não, isso já não há. Havia no meu tempo, agora no dela, neste tempo agora as raparigas. Eu vejo pela minha, que com o marido fazem uma vida juntos, vão para todo o lado. Às vezes o meu marido critica. Então a Lúcia só gosta é de paródia já vai para a paródia outra vez com ele. Digo, deixa lá a rapariga, eu não fui vai ela.
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MAB:
A vila de Portel tem hoje mais coisas, oferece mais oportunidades às pessoas e condições de vida por comparação com o antes do 25 de abril ou não
MC:
Sim, sim. Antes do 25 de abril pronto, havia muita dificuldade, mas agora presentemente Portel está morto. O nosso Portel está morto. Não há trabalho e não tem nada a ver com o que era Portel e o que foi aqui há uns anos, já depois do 25 de abril.
MAB:
Ou seja, faz uma distinção, entre o que era antes do 25 de abril, o que foi essa.
MC:
Sim, o que foi a seguir e o que está a cair. Portel está a cair, agora nesta, está a cair, já caiu dentro de um buraco. A nossa vila está suja, não há trabalho e as pessoas está tudo refugiado em casa. Não, está tudo triste. Portel, não é Portel. Não é o Portel que a gente conheceu.
MAB:
Mas tem por exemplo condições para acolher as crianças como os jardins de infância,
MC:
Sim sim, isso tem. A escola, o nosso ciclo. Sim, sim. Temos o ciclo, que é um espetáculo, a nossa escola primária, aqui a ATL dos miúdos. Sim, tudo cinco estrelas.
MAB:
Mesmo para as pessoas mais velhas,
MC:
E para as pessoas mais velhas a Universidade Sénior. Este ano não sei como é que vai ser, mas também
MAB:
Existe um lar?
MC:
O lar, sim, um lar sim. Que devia ser maior, pronto, porque apanha aqui também, as pessoas das aldeias e as pessoas que não são de cá, de Évora e de outras terras que vêm, ter aqui. Podia também ser maior, acho que Portel já devia ter estendido mais. Ter um outro lar.
Agora esta creche onde está a minha netinha é uma creche já muito antiga, que precisava já além de, aquilo era um prédio já muito antigo, e aquele senhor, deu aquilo para fazerem uma creche. Aquilo tem as mesmas condições que tinha há 50 anos, está tudo muito velho, tudo muito degradado. Acho que as coisas deviam evoluir mais, com a época em que estamos. E uma vila que já é bastante grande e que faz parte aqui das nossas aldeias que ainda são algumas.
MAB:
Pois, porque é a sede de concelho.
MC:
É sede de concelho e é para aqui que vêm também, muitas crianças.
MO:
De qualquer maneira diga-me uma coisa, em termos do acesso à educação e à cultura e aos serviços de saúde, em relação a antes do 25 de abril há diferença aqui na vila?
MC:
Agora está muito mau. Nesta altura, os nossos serviços se saúde estão péssimos. Não temos médicos, os enfermeiros que aqui estão abalam. Queremos uma consulta, não a temos. Está mesmo muito, muito mau. Já houve uma altura, em que o nosso centro de saúde era um espetáculo, mas agora não. Muito complicado mesmo.
MAB:
As condições de vida das mulheres e da casa, das melhorias da habitação, de eletrodomésticos, se comparado com o antes do 25 de abril
MC:
Está muito melhor.
MAB:
A vida das mulheres hoje está muito mais facilitada?
MC:
Sim, sim. Mais facilitada. Até eu comparando agora a minha vida, a minha casa com a dos meus pais. Nem tem comparação. A minha mãe tinha um fogãozinho pequenino e fazia-se a comida ao lume, era o ferro com carvão. E não, nem havia, ferros de engomar, não havia, máquinas de lavar, frigorifico nem pensar.
MO:
Televisões?
MC:
Também não. Nós íamos ver a televisão à de uma vizinha que tinha, já tinha uma vidazinha melhor, viveu em Lisboa e depois de vir para cá, íamos ver tudo na televisão para casa da vizinha. Já quando a minha mãe teve uma televisão, já eu tinha os meus dezoito anos.
MAB:
Quando a sua mãe teve a primeira televisão.
MC:
A primeira televisão, sim. Aquilo era uma novidade grande. A gente estava sempre.
MAB:
Máquinas de lavar a roupa
MC:
Isso já foi muito mais tarde. Se calhar já quando eu casei ou estava para casara, quando a minha mãe comprou uma máquina de lavar roupa. Pois era tudo muito diferente. Muito, muito.
MAB:
Nesse aspeto a vida tem melhorado
MC:
A vida tem melhorado. Há outras coisas que que não, mas a vida melhorou, melhorou.
MAB:
O quotidiano, a vida das mulheres está mais facilitada
MC:
Sim, a vida das mulheres está mais facilitada. As mulheres iam para aqueles, aí para os rios lavar à mão. Iam de manhã à noite. Eu lembro-me perfeitamente da minha mãe ir e levar um bocado de pão e laranja. Era a comida. Que era o que havia. E a gente se ia mais o meu irmão, comíamos o pão todo e as laranjas, que era o que havia, quando ela ia para comer já não havia nenhum. Aquilo também era pouco. Isto quando eramos pequenos. Sim, lembro-me de irmos ali para um barranco.
MO:
E agora a Maria do Carmo vai lavar roupa?
MC:
Vai, vai. A Maria do Carmo agora vai lavar é a máquina de lavar, é a máquina de secar, pois. E temos isso tudo e é ferrinho para engomar, ali já com vapor, pois claro. Mas há outras coisas que podiam estar melhor e não estão.
MAB:
Por exemplo, o que é que a senhora achava que devia estra melhor e não está?
MC:
Olhe haver mais empregos para a juventude, para que o meu filho, até em Portel digo, os arredores, para que o meu filho e outros jovens como ele, não tivessem acabado os estudos e tivessem de abalar para o estrangeiro. O meu já lá está há nove anos, no Dubai, agora veio cá só para casar, com a miúda, com a Sarinha. E como ele, muitos mais.
MAB:
Ou seja, acha que muita juventude teve de sair, teve de sair?
MC:
Sim, sim, sim, muitos, muitos. A minha Lúcia não abalou porque ficou por aqui, a escola e não sei quê, casou com um rapazito que trabalha na câmara, pronto ficou por aqui. Mas muitos, muitos tiveram que sair. Sair e ir para o estrangeiro. Temos muita juventude nossa, que a gente conhece aqui de Portel, que a gente é fulano já está à não sei quantos, na Alemanha, na Suíça. Muita gente foi embora. Deviam estar cá no nosso Portugal. Mas são coisas que não estão na nossa mão.
MAB:
E a senhora quando ia fazer as campanhas como é que se organizavam? Como é que faziam? Iam para fora de Portel, era aqui, como é que faziam?
MC:
Quando é as campanhas organizamos todas, somos sempre o mesmo grupo e vamos apanhando alguma de alguma rua. E corremos aqui Portel e as nossas aldeias. Sim, e colaboram mais as mulheres que os homens.
MAB:
E quem é que conduz são os homens ou as mulheres?
MC:
Levamos sempre um condutor.
MAB:
É um homem?
MC:
Sim, sim.
MAB:
Ainda não são as mulheres?
MC:
Não, mas às vezes também vão a conduzir. Também vai a conduzir. Sim, às vezes vão a conduzir.
MAB:
A senhora tirou a carta?
MC:
Não, nunca tirei a carta. Porque o meu pai também por causa da falta de, do dinheirinho. Pois. Depois foi passando e foi passando. E depois vieram os filhos e fiquei por ali. Hoje tenho pena de não a ter tirado. Tenho carro, ela tem carta, a Lúcia tem carta, o Diniz tem carta, o pai tem carta e a minha ficou na gaveta.
MAB:
A prioridade foram eles
MC:
Exatamente, pois. Depois eles a estudar e tudo, eram os mestrados, muito dinheiro e claro essas coisas, havia outras prioridades e eu fui ficando para trás. Mas hoje já tenho pena, porque é que não fui, mas naquela altura, não podia, depois era os rapazes, um porque estava na universidade, outro porque estava a entrar e pronto. Tenho chauffeur particular.
DH:
Lembra-se como soube das notícias do 25 de abril ou o que fez no dia do 25 de abril?
MC:
Olhe do 25 de abril morávamos num monte, o meu pai guardava gado num monte. Que era o Monte de Valcabras e lembro-me do meu pai chegar a dizer.
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