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Title
Date(s)
- 2023-10-24 (Creation)
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Documento simples
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216MB; suporte digital (mp4)
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Administrative history
Fundado em 1994 , o CIDEHUS começou por designar-se “Centro de Investigação e Desenvolvimento em Ciências Humanas e Sociais”. A sua área disciplinar nuclear era então a Sociologia.
A sua atividade organizava-se em quatro grandes campos:
1) Sociologia do Desenvolvimento;
2) História da Europa do Sul e do Mediterrâneo;
3) Educação e formação profissional;
4) Linguística Geral.
Em 2001 , quando passou a ter na História a sua disciplina nuclear , mudou de designação para Centro Interdisciplinar de História, Culturas e Sociedades . Manteve a mesma sigla (CIDEHUS) e organizou-se em seis linhas:
1) O Sul: dinâmicas sociais e políticas
2) O Sul: culturas, discursos e representações
3) O Sul: património edificado, cultura material e arqueologia
4) Portugal e a Europa
5) Portugal e o Mediterrâneo
6) Portugal e os espaços de presença lusófona
Em 2007 , o CIDEHUS fixou a sua atenção nas problemáticas do Sul , condensando as anteriores linhas em três grupos:
RG1: O Sul e o Mediterrâneo: dinâmicas sociais e culturais
RG2: Património, Cultura Material e Arqueologia no Sul da Europa e no Mediterrâneo
RG3. Bibliotecas, Literacias e Informação no Sul
O programa nuclear foi de novo reajustado em finais de 2013 , configurando-se em torno de: «História, património e mudanças societais: um laboratório do Sul», ramificando-se em duas linhas temáticas, subdivididas em grupos – “L1: Mudanças societais” e “L2: Património e diversidade cultural” – e num grupo de articulação – Literacias e património textual.
O CIDEHUS assumiu então o modelo de laboratório para salientar o seu dinamismo e o seu interesse no conhecimento aplicado .
Em 2018 , o CIDEHUS sofreu uma nova reorganização, passando a dividir-se em apenas dois grupos:
G1 – Mudanças societais
G2 – Património, Literacias e Diversidade cultural.
Com esta alteração, o CIDEHUS pretende reforçar a coesão, estimular o trabalho colaborativo e potenciar as abordagens interdisciplinares.
No passado recente do CIDEHUS, destacam-se ainda os seguintes marcos institucionais:
- 2013 – Criação da Cátedra UNESCO
- 2014 – Criação do Laboratório de Demografia (DemoLab)
- 2016 – Lançamento do CIDEHUS Digital
- 2017 – Criação Laboratório de Turismo (Tourism Creative Lab).
Archival history
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Scope and content
Composto pela gravação audiovisual da entrevista e a respetiva transcrição.
Transcrição Ivone Lopes
Entrevistada: Ivone Lopes (IL)
Entrevistadora: Manuela Oliveira (MO)
Localidade: Portel
Data: 24 de outubro de 2023
Transcrição: Diana Henriques (20/11/2023)
MVI_ 6092
MO:
Como é que foi a sua infância, a casa dos seus pais, o que eles faziam, o que a Ivone fazia, se ia à escola se não ia. Um bocadinho da sua infância, conte lá.
IL:
A minha casa era uma casa simples, o meu pai trabalhava no barro com o meu avô, eram oleiros, e faziam muitas coisas em barro. E ia lá muita gente comprar loiça, os loiceiros que andavam aí nas aldeias a vender loiça nos burros, nos burros e isso, ia ali tudo buscar a loiça. A minha casa era uma casa simples que tinha que se almoçar aquela hora, que o meu pai era muito exigente no horário da comida. E eu era mais, estava mais inclinada para as conversas do meu avô. Que o meu avô lia muito, era um grande ensinador de vida, e eu aprendi muita coisa com ele. Já o meu pai era mais, era diferente. Não ligava tanto a essas coisas e o meu avô era muito, era assim como eu sou agora. Gostar de ler, gostar de, nem tanto de escrever, mas de ler isso sim. Era espírita, recebia livros do Brasil, que eu adorava, aí é que eu fui aprendendo a escrever poemas, porque vinha naqueles livros que o meu avô recebia, uma poetisa Emília Pomar de Sousa Machado, brasileira que vinha nesses livros e eu gostava mesmo de ler. E o meu avô tinha lá uma, entre as duas arquinhas onde o meu pai trabalhava e o meu avô trabalhava, havia lá uma cómoda, onde o meu avô tinha lá aquelas gavetas todas cheias de livros e era muito dado à leitura. E um dia, eu estava sentada a ler e chega um senhor muito à pressa, que andava a PIDE atrás dele, e o meu avô disse-lhe olha deita-te aí no pau, na tábua onde eu ponho os pés onde eu rodo e foi o Pouca Roupa, chamava-se o Pouca Roupa, estendeu-se ali naquele pau, porque a roda, era uma roda pequenina e era uma grande por baixo, onde davam ao pé para a roda pequenina para fazerem as peças de barro.
Nisto, o homem já estava estendido sabia que a PIDE andava atrás dele, daí a nada a PIDE à janela da oficina. Então como é que vai isso do trabalho. E o meu avô com a maior calma dele, muito ele era assim muito calmo, talvez que eu tivesse apanhado um bocadinho dele e recolher e ser aquilo que sou hoje. E ele falou com os da PIDE como se o homem não estivesse lá em baixo deitado escondido. Eles foram-se embora e o Pouca Roupa saltou dali da tábua. O meu avô continuou a fazer, porque não o magoava nem nada, continuou a fazer o trabalho e a falar com os da PIDE. Eles nem imaginavam que o homem que andavam à procura estava debaixo dos pés do meu pai, do meu avô. Foi uma cena muito interessante.
MO:
E agora um bocadinho da escola, como é que foi a sua escola?
IL:
Nessa altura já eu andava à escola. Já lia, já andava, mas quando íamos à escola, a escola era de uma ponta à outra da vila. Morávamos ali em baixo e a escola era além em cima do lar. Ora, tenho de contar das pedrinhas. Aquilo de inverno, era um vazio, uma invernada grande e muito frio, muito frio, sempre muito frio e a minha mãe e o meu avô levantava-se muito cedo faziam um lumarelo grande, havia sempre lumes grandes e a minha mãe punha logo. O meu avô é que punha logo as pedrinhas, nas duas pedrinhas dentro do lume para irem aquecendo. E a minha mãe quando eu estava para, quando eu já tinha a bata vestida, a malinha e isso tudo, punha-me, enrolava as pedrinhas nuns trapinhos que aquilo era à base de trapos e punha-me em cada algibeira, e eu levava as benditas na algibeira com os pés gelos, porque não havia espaço para pedras nos pés. Chegava lá ainda com as pedrinhas mornas, à escola e conseguia escrever bem, graças às pedrinhas quentes que a minha mãe me punha na algibeira, me punha na bata. Era bonito assim, era bonito e era bom, pois porque as crianças sofriam muito nessa altura. Não havia um carro, não havia um telefonema, não havia um telefone, não havia nada, nada. O meu pai é que tinha um radiozinho pequenino onde a gente ouvia as notícias de Andorra, aqui fala rádio Andorra, a Emissora Nacional e a minha mãe à janela, ao postigo da porta para ver se não vinha alguns da PIDE ouvir, porque naquela altura, era o comunismo era havia aqueles partidos que não se podia falar. Era medo, medo do ambiente dessa gente. Fazia, metiam medo.
Bom, o meu pai depois começou-me a dar aulas de música, de solfejo e deu o livro todo de solfejo até às semicolcheias. Deu o livro todo, fiquei a dar, ficar bem integrada, no solfejo. Comecei a tocar banjo, o banjo do meu pai e o meu irmão vinha atrás de mim, que ele é mais novo que eu três anos que eu. Vinha também e um dia estávamos, um dia a estudar a aula que havia para estudar da parte da tarde, quando o meu pai acabasse o trabalho, para darmos a lição de música e não sabíamos. E eu digo ó Norberto como é que é isto, diz a minha mãe, olha filho as notas não sei, mas a música é lá lálálá, lálá lá, pronto já sabemos, mi ré dó si dó. Assim já a gente fazia os compassos da música, mas a minha mãe, a música entrava-lhe, as notas não.
MVI_ 6093
IV:
Ele fazia uma luminária, punha num latão aquele azeite, durante, que era guardado durante o ano, fazia uma luminária que ele era crente e iluminava tudo, aquelas chaminés, aquelas casas, os quintais daquelas casas, ficava tudo iluminado com a luminária que ele punha ali o quintal. Era tão bonito aquela luminária. E depois ele vinha para dentro ajeitava o lume deixávamos, ele dizia, vá filhos deixem já aí os sapatinhos para o Menino Jesus quando descer estarem aí os sapatinhos e vão já para a caminha que são horas. E tinha eu uns dez anos, o meu irmão tinha menos três e íamos deitar, mas era um dormir desejando de chegar o outro dia para sabermos. No outro dia de manhã o meu avô fazia o lume logo cedo, quando levantávamos já a cozinha estava quentinha corríamos os sapatinhos e nos nossos sapatinhos havia um bolo folhado e cinco bombons. Era tão bom. Ai Norberto, um bolo folhado e cinco bombons.
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IL:
O meu pai era daquelas pessoas que não me deixava usar cava, porque não rapávamos debaixo do braço, eu não podia fazer isso. Não me deixava fazer permanente, o cabelinho tinha de estar como estava e era cortadinho e já estava.
Depois, conheci o meu marido com ele a namorar outra, conheci-o a ele assim. Ele parava ali ao canto e a namorada dele estava lá no outro canto, mas ele já estava de olho em mim. Entretanto ele foi-se desviando da namorada e eu estava ali à porta, à janela e ele ia já ficando de olho em mim. E eu, digo, mas ele está aqui há tanto tempo, eu vou dizer à Maria Delfina que ele está aqui, mas ele não abalava ali do canto. E ao serão, ia-se aproximando além da faceta da minha casa até que chegou à janela e pediu-me em namoro, pediu-me em namoro. Eu aceitei, eu gostava dele, já estava bem habituada a ele estar ali sempre ao canto, todas as noites. Comecei a gostar dele e ele aproximou-se da janela lentamente e pediu-me em namoro. Mas, entretanto, quando o namoro já estava firme entre nós, ele pediu licença ao meu pai se podia ir para a janela namorar comigo. E fez uma espera ao meu pai, o meu pai saiu, ele já estava ali à espera e ele pediu. O meu pai disse que ia esperar, não foi logo sim, era daquelas pessoas que calma aí. Ia pensar, mas, entretanto, ele entendeu como um sim e continuou. Mais tarde, pois íamos passear, íamos colher a espiga, lá íamos para a altura do Zé Borrego colher a espiga e eram os nossos passeios eram assim.
Nessas alturas é que juntávamos as raparigas que eram costureiras, éramos costureiras todas, da minha idade, éramos, ia tudo para a costura. Tudo aprendia a coser, umas bordavam, outras faziam o que gostavam mais. E eu mais tarde, dediquei-me mais aos vestidos de noiva, fiz muitos vestidos de noiva, mas depois quem fez o meu vestido de noiva foi a minha mestra, ela é que fez o meu vestido de noiva. Foi o meu sogro foi-me pedir em casamento nessa altura, era assim um caso fora do normal. Nem toda a gente era assim, mas eu gostei, a minha mãe fez uns biscoitinhos, o meu pai comprou uma garrafinha de licor e o meu sogro veio, o pai dele veio com ele entraram, e lá beberam, lá foi o pedido feito, o pedido de casamento. Mas aquilo durou não sei quanto tempo, enquanto não tivemos o dinheiro para a mobília não podemos casar, só quando tivemos o dinheiro é que foi toma lá, dá cá a mobília. Comprou-se tudo. Marcou-se o dia do, a data do casamento e fomos casar no registo e o juiz que nos veio casar vinha com uma toga até abaixo, até aos pés, foi um casamento bonito. Não foi na igreja, não foi, foi na igreja de Santo António, mas que era o registo naquela altura e lá é que nos casamos.
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IL:
Fomos morar para uma casinha ali para o pé do jardim, ajeitamo-nos, a casinha bem ajeitadinha, com o meu gosto, o gosto dos dois. Porque o meu gosto, era também o gosto dele e o dele era o meu e sempre ficamos muito unidos, sempre fomos muito unidos. Embora, eu por vezes tirasse um bocadinho, eu gostava muito dos ciganos e havia além muitos, muito cigano, não havia ali casas nenhumas, nenhumas, nenhumas, era só carros e ciganos, carros e ciganos. E havia um ciganito que todos os dias eu lhe dava de almoço, mas o meu marido não sabia, era o meu segredo. Eu se havia de cozer dois ovos, cozia três e escondia um, e depois na açordinha punha migava as sopinhas, punha o ovinho e já sabia, o ciganito já sabia as horas, batia-me à porta. Então e as manitas, mostrava-me logo, se as tivesse sujas, ia-as lavar e depois digo agora, sentas-te ali à porta do Berbigancha e a parede do Berbigancha e comes aí as sopinhas. Todos os dias aquele ciganito comia ali aquelas sopinhas fosse daquilo que fosse, daquilo que eu lhe dava. Um dia tapei um burro de um cigano já grande, porque estava já com muito frio, o burro estava com muito frio e eu pus-lhe uma manta em cima, já picada do bicho e vesti-lhe uma gabardine do meu marido, que já não usava há muito tempo, nem ele se lembrava daquela gabardine. Vesti a gabardine ao cigano e ele foi todo contente, esparramou-se em cima do burro e lá vai ele de gabardine vestida e o burro todo de manta aos quadrados. Um dia diz-me ele assim, Ó Ivone lembras-te daquela gabardine que eu tinha? lembro, então? Não, não vejo agora aquela gabardine e dava-me jeito, não me lembro daquela gabardine, não sei onde está, eu lembro-me dela, mas não sei onde está. Estava um cigano com ela.
E depois viemos para esta casa, mas lá ainda nasceu a minha filha. Naquela casa nasceu a minha filha foi um parto normal fui só eu. Era eu pois, era a minha mãe que estava a segurar a cadeira, porque a gente tínhamos era um camalhinho, fazíamos um camalho no chão, nós ajoelhávamos e a força era toda na cadeira. As nossas mãos faziam assim, e assim é que tínhamos os filhos, a força era toda para baixo, era um instante enquanto a criança nascia. A parteira que era uma mulher que, normal, qualquer pessoa amparava a criança, mas sabendo também o que estava a fazer. E aquelas primas, tias e tudo, estava tudo lá no meu quintal à espera da menina. Era uma loucura. E esqueceram-se de mim, a senhora começou a vestir a menina, começou a vestir, elas levaram logo a menina lá para fora e eu fui para a cama. Entretanto eu tinha a placenta ainda e digo olha António Manuel, as pessoas que têm logo as crianças sentem-se logo aliviadas e eu não estou, então eu vou chamar o médico. Foi logo a correr ao médico, era foi como se tivesse tido outro filho, porque o corpo já estava fechado e a placenta teve de sair a poder de força, de muita força, e assim nasceu a minha filha e eu pensei, se deus quiser, eu vou ter um filho, mas quem trata de mim sou eu.
Viemos para esta casa, ao fim de dois anos nasceu o meu filho, nasceu o meu filho e foi assim. Quem tratou de mim fui eu. Estava aquela senhora, que era a parteira já era outra havia aí tantas parteiras, que iam amparar as crianças, era o meu camalhinho, eu com os joelhos no chão e as mãos ali na cadeira, nasceu. Eu peguei nos pezinhos do meu filho e puxei, na cabecinha puxei toda torta, toda torta, a segurar o meu filho, eu trouxe-o à vida, trouxe o meu filho à vida. E depois digo anda enrola-o numa toalha, seja aquilo que for e vão levá-lo ao pai, que soa aqui a ressonar, que ele não dá por nada. E eram duas e meia da manhã, da noite e a minha filha nasceu às duas e meia da tarde, foi assim. E depois eu fui para a casa de banho e aí eu tirei a minha placenta. Sozinha. Sem mais ninguém a ajudar-me e foi um parto lindo e ainda hoje eu parece que estou a sentir. Bom o meu marido ficou delirante com a menino, já estava o bercinho arranjado.
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IL:
O 25 de abril foi que o meu marido era leitor cobrador da EDP e andava nas aldeias a fazer a leitura da e cobrança da luz. E nesse dia estava na Vera Cruz e eu eram oito da manhã e ainda tinha os meus filhos deitados e começa a ouvir a música na rádio fora do normal. Era aquela música, de da tropa uma música que não era que a gente não estava habituados a ouvir às oito da manhã na rádio. E digo aqui passa-se qualquer coisa, fui a correr, deixei os filhos deitados, fui a correr ao meu pai, pai, pai, passa-se qualquer coisa, acenda lá o rádio passa-se qualquer coisa de certeza. O meu pai acendeu o rádio e começamos a ouvir a qualquer coisa da tropa, a revolução, uma revolução eu já não me lembro bem das palavras que se ouviam na rádio, mas eu fiz uns versos com aquilo que ouvi depois fiz um poema e então:
Foi um dia inesquecível,
vivido numa ansiedade,
partiu para sempre o fascismo
E ficou a liberdade.
Quem teve alguém na família,
Saindo daquelas prisões
Ainda parecia mentira.
Tinham sido os capitães,
Portel cantava e gritava,
ainda sem saber de quê.
As noticias vinham chegando
E as imagens da TV
Reinou a democracia
A liberdade venceu.
Ainda parecia mentira
Como tudo aconteceu.
Eram cravos encarnados,
Nos canos das espingardas,
nas lapelas dos casacos,
E nas mãos entrelaçadas.
Chegou o primeiro de maio
Não havia distinções
Os irmãos eram irmãos
Não havia divisões.
Mas como passar dos anos
Vai se notando a diferença
Cada um com seu partido
Cada qual com sua crença
É preciso refletir
E é preciso pensar
Que quando se perde a liberdade
O quanto custa alcançar
MVI_6097
MO:
A seguir ao 25 de abril se houve assim algumas mudanças que notou, se vieram pessoas de fora para cá, como eram essas pessoas, vieram fazer o quê? A seguir ao 25 de Abril
IL:
Depois da liberdade, as pessoas sentiam-se livres, para ir para onde gostavam de estar.
E eu tinha uma amiga, uma amiga, nessa altura não era. Havia uma senhora que tinha um marido que era médico, cá na vila era o doutor Salvado e essa senhora concorreu para a câmara. Concorreu e ficou na câmara, ficou era concorrente da câmara, ela e era o marido que era médico e começamos a travar conversas, lidação uns com os outros. O doutor Salvado vinha aqui e trazia os policlínicos que também estavam cá bastantes no centro de saúde e o meu marido como estava doente, ele vinha tratar do meu marido e trazia os outros todos. Entretanto começou-se a criar uma amizade e a doutora Manuela que era presidente da câmara, começou a integrar-se também nesta amizade. E aqui na minha casa juntou-se muita gente, muita gente amiga, eram professores, eram engenheiros, eram médicos, médicos, eram o notário, era o juiz, era bom toda a gente aqui vinha. Até uma senhora de Lisboa, que pertencia ao Estado, fazia parte do Estado. Ela é que recebia o dinheiro que vinha do estrangeiro, lá de onde não sei, mas ela é que recebia isso e depois o Estado é que tomava conta disso, que era a Maria e o Zé. E para aqui vinham.
E o que é que havíamos de pensar, e era uma médica muito gira que era a Ritinha, a doutora Rita, vinha cá porque namorava ou estava junta com um arquiteto de cá, que estava cá e dava aulas. O meu filho ainda foi aluno dele e ele passou em tudo, menos naquela disciplina que ele dava e ele dormia aqui as sestas. Digo eu: Ó Jorge então quer dizer que o meu filho para si não faz nada e o meu filho ficou com aquela disciplina cortada, pronto. Mas ele sempre foi bem-recebido e depois combinamos, entre todos combinamos ir à pesca, uma diversão bonita. Todos os fins de semana que eles tinham para gozar, gozavam nos Almoxarifes, nos moinhos de, onde faziam a farinha, onde moíam a farinha, lá. E para lá é que nós íamos, levávamos o farnel e cada um levava o seu carro, e lá íamos para os Almoxarifes, dormíamos no moinho, com os ratos naquela, onde ia a Maria, um dia levou bifanas numa travessa e digo Maria, olhe que há aí muito rato, não que ficam bem aqui dentro do moinho, ficam aqui bem. No outro dia não havia vestígios de carne, não havia nada, foi uma risota grande. E eu e a Rita fomos à pesca para um lado, eles pescavam noutro, outros faziam o almoço. Bom, cada um divertia-se à sua maneira. Nisto vem a venatória, não podíamos pescar, nós não podíamos. A Rita tem uma cana, eu tinha outra e quando mandei a cana, eu pesquei o peixe pelas costas. Aquilo gritei Torres, Tó, Jorge, eu chamei por todos para me virem apanhar o peixe que eu não tinha força, se não ia atrás do peixe. O peixe era grande, tenho ali fotografia que eles me tiraram eu com o peixe assim. E a Rita enfiou a cana ali por as a cana de pesca por entre as outras canas que estavam ali no chão no campo, por causa da venatória, que não consentia, tínhamos de ter uma licença de pesca e isso tudo. Maneira que era assim os nossos fins de semana.
À noite vínhamos, cada um comia os restos que havia e o doutor Alfredo, que era o juiz, dizia-me Ivone então não haverá aí nem uma folhinha de couve, eu fazia aqui um caldo verde. Olhe eu vou pedir ali à vizinha, fui e ia pedir à vizinha umas folhinhas de couve. Ele fazia um caldo verde bem feito mesmo, ele trabalhava bem naquilo, punha-se ao fogão e fazia um belo caldo verde. A minha cozinha era grande, cabia toda a gente. Havia violas, havia cantes, havia tudo e muita amizade entre todos, especialmente, muita amizade e cada um dizia a sua coisa.
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IL:
A minha vida é espetáculo. Eu adoro palco. Já fiz teatro, já toquei, já disse rábulas, já disse monólogos, já me enganei muita vez, já bom, mas os enganos são graça. E gosto, eu adoro a vida de eu não digo artista, mas destas coisas de palco, eu gosto. Gosto de me sentir, eu sinto-me livre e sem estar a olhar para quem me está a ver. Eu entrego-me de tal maneira, que as coisas, as palavras saem, eu sei a história, mas quem a transmite por palavras minhas, sou eu. A história é a mesma, mas não é por um livro, não é decorado, não é não decoro por palavras minhas. E às vezes sai asneiras, asneiras que toda a gente ri.
E nos teatros, e havia também uma senhora, uma senhora, que pediu ao meu filho, ensaiava crianças, havia lá um espetáculo com crianças vestidas de ceifeiras e as gaiatas, era para haver uma animação de verso a dizer o que as crianças estava ali a dizer e a dançar, mas tinha de haver um, tinha de haver, que se descrever porque é que elas estavam assim. E aquela professora pediu ao meu filho, para eu fazer uns versos à situação que se ia passar, que ela ensaiava, ela gosta e gostava muito, é a Elsa, a Elsa Aleixo. E eu fiz, fiz. Era num instante, eles diziam-me sempre que era para ontem. Os versos que me vinham pedir era sempre para ontem. Então eu fiz e ela gostou muito e pediu ao meu filho para me dizer se eu podia fazer mais alguns e eu fiz seis, seis versos. E ela disse ao meu filho: Ó Paulo, a tua mãe não era capaz de se vestir de ceifeira e de vir ela mesmo própria dizer os versos? E as meninas dançavam. Eu fui logo, vesti-me logo de ceifeira, de lenço à cabeça e toca que eu aí vou a caminho do palco. Para mim foi um espetáculo. Eu disse os versos, as crianças dançavam foi muito lindo, foi muito lindo.
MVI_ 6100
IL:
Eu entrava na costura, entrava no teatro, entrava em muita coisa. E havia lá a professora, que era a professora Helena que também dava aulas, a muita coisa. A meditação, várias coisas que ela fazia, desenho, as pinturas, foi ela que me ensinou a pintar, foi uma senhora muito especial e chamava-se Helena. E eu tenho nas iniciais de Helena eu ponho:
Helena a nossa professora da universidade sénior, sorriso fácil, pessoa muito especial e com uma maneira de ensinar fora do comum.
Em aulas de teatro dá-nos as dicas e deixa-nos os textos correr ao nosso critério. Assim é que eu gostava. No final dava-nos a sua apreciação, o seu comentário e realmente tudo o que ela faz e diz, tudo o que ela diz faz sentido, tem feito demonstrações disso mesmo.
Literatura uma grande pedagoga, estaríamos tempo sem fim a ouvi-la trocar impressões, a fazer perguntas, a tirar, dúvidas sobre tantas coisas e dá gosto.
Em pintura ela se desdobra, entre tantas alunas, dando um toque aqui, um toque ali, satisfazendo o mais possível tudo o que era possível, fazendo um esboço, a pintura. Mudava tudo logo de figura, com o toque das suas mãos mágicas.
Naturalmente simples, porque se vê que é, mas também é característico dos sábios, porque quanto mais se sabe, mais a vaidade lhe passa ao lado. Tem trabalhado, estudado muito para saber ensinar tudo o que aprendeu de uma maneira extraordinariamente bonita de tudo o que aprendeu.
Anda sempre a correr, não pára. Por vezes nota-se um ligeiro e fugaz cansaço no olhar, mas logo passa e vem aquele sorriso fácil, que leva todos atrás dela. É uma pequena grande mulher. Um abraço carinhoso da aluna de 74 anos Ivone.
MVI_6103 [Poema]
Os ciganos
Deambulando lentamente pela estrada fora,
Aí vão eles de peles bem tostadas,
Ao sol, à chuva, ao vento e sem demora,
Ao rigor do tempo e vestes ensopadas.
Os carros de bestas trepitando,
Seus corpos balançam ao ritmo da molar
Sua luz são estrelas cintilando
São os ciganos de quem estou a falar.
Nem sempre aceites onde quer que poisam,
Como bando de pássaros que vão poisar
Eles são do mundo
E nem sequer pensam que têm o direito de se porem a pensar.
Ó ciganos,
Ó gente sem ter rumo,
Nómadas sem beira,
Olhar de inocência
Diferentes de todos,
mas iguais em tudo
Dignos de um olhar,
de um olhar de esperança.
Appraisal, destruction and scheduling
Accruals
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Conditions of access and use area
Conditions governing access
Conditions governing reproduction
Language of material
Script of material
Language and script notes
Physical characteristics and technical requirements
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