Área de identidad
Código de referencia
Título
Fecha(s)
- 2023-10-17 (Creación)
Nivel de descripción
Documento simples
Volumen y soporte
235MB; suporte digital (mp4)
Área de contexto
Nombre del productor
Historia administrativa
Fundado em 1994 , o CIDEHUS começou por designar-se “Centro de Investigação e Desenvolvimento em Ciências Humanas e Sociais”. A sua área disciplinar nuclear era então a Sociologia.
A sua atividade organizava-se em quatro grandes campos:
1) Sociologia do Desenvolvimento;
2) História da Europa do Sul e do Mediterrâneo;
3) Educação e formação profissional;
4) Linguística Geral.
Em 2001 , quando passou a ter na História a sua disciplina nuclear , mudou de designação para Centro Interdisciplinar de História, Culturas e Sociedades . Manteve a mesma sigla (CIDEHUS) e organizou-se em seis linhas:
1) O Sul: dinâmicas sociais e políticas
2) O Sul: culturas, discursos e representações
3) O Sul: património edificado, cultura material e arqueologia
4) Portugal e a Europa
5) Portugal e o Mediterrâneo
6) Portugal e os espaços de presença lusófona
Em 2007 , o CIDEHUS fixou a sua atenção nas problemáticas do Sul , condensando as anteriores linhas em três grupos:
RG1: O Sul e o Mediterrâneo: dinâmicas sociais e culturais
RG2: Património, Cultura Material e Arqueologia no Sul da Europa e no Mediterrâneo
RG3. Bibliotecas, Literacias e Informação no Sul
O programa nuclear foi de novo reajustado em finais de 2013 , configurando-se em torno de: «História, património e mudanças societais: um laboratório do Sul», ramificando-se em duas linhas temáticas, subdivididas em grupos – “L1: Mudanças societais” e “L2: Património e diversidade cultural” – e num grupo de articulação – Literacias e património textual.
O CIDEHUS assumiu então o modelo de laboratório para salientar o seu dinamismo e o seu interesse no conhecimento aplicado .
Em 2018 , o CIDEHUS sofreu uma nova reorganização, passando a dividir-se em apenas dois grupos:
G1 – Mudanças societais
G2 – Património, Literacias e Diversidade cultural.
Com esta alteração, o CIDEHUS pretende reforçar a coesão, estimular o trabalho colaborativo e potenciar as abordagens interdisciplinares.
No passado recente do CIDEHUS, destacam-se ainda os seguintes marcos institucionais:
- 2013 – Criação da Cátedra UNESCO
- 2014 – Criação do Laboratório de Demografia (DemoLab)
- 2016 – Lançamento do CIDEHUS Digital
- 2017 – Criação Laboratório de Turismo (Tourism Creative Lab).
Institución archivística
Historia archivística
Origen del ingreso o transferencia
Área de contenido y estructura
Alcance y contenido
Composto pela gravação audiovisual da entrevista e a respetiva transcrição.
Transcrição Maria Leonarda Madeira
Entrevistada: Maria Leonarda Madeira (MLM)
Entrevistadora: Manuela Oliveira (MO)
Localidade: Portel
Data: 17 de outubro de 2023
Transcrição: Diana Henriques (15/11/2023)
MVI_ 6084
MLM:
É assim, eu chamo-me Maria Leonarda Madeira, nasci em Portel, na rua do Outeiro, até tenho um poema alusivo a isso. Os meus pais, o meu irmão, a minha mãe andava sempre com o meu pai. O meu pai era pastor, foi toda a vida pastor, foi o que o pai dele o ensinou e dele depois também ensinou ao filho dele, o meu irmão começou a andar com o meu pai, tinha para aí uns seis anos. Ele nem foi à escola foi. Então, o que é que acontecia, vivíamos naquelas, nós aqui chamamos-lhes malhadas, aqueles montes mais antigos, as aquelas casas mais antigas, que os patrões nos davam por favor, para não se pagar renda. Ou então fazíamos umas chochas, umas chochas que era umas pastas que não chovia lá dentro, mas pastas com mato. O meu pai lá sabia fazer aquilo com o que lhe tinham ensinado, aquilo havia umas tarimbas e ali estávamos todos. Era o meu pai, a minha mãe e a gente os três e eramos cinco ao todo.
Meu pai houve uma altura em que as coisas, nessa altura, estavam muito mal, muito mal, muito mal, a vida nessa altura, estava péssima. Então o meu pai tinha lá uma cabrinha ou duas, o que ele fazia para dar à gente de manhã, ordenhava a cabra e dávamos uma quartilha, uma medida de litro e era o nosso pequeno almoço, o nosso almoço e o nosso jantar. Que era leite, não havia mais nada. Ou então ia-se apanhar uns poejos lá ao barranco e fazia-se uma açorda, não havia mais nada.
Então a minha mãe arranjou trabalho por conta do mesmo patrão, e o meu pai andava com a gente as duas que éramos mais pequeninas, num alforge, uma de um lado do alforge e a outra do outro. E chegava ali a um riacho, lavava a cara à gente, tinha um pente pequenino na algibeira, penteava a gente e quando tínhamos fome ordenhava a cabra. Era o que havia e não havia. Era uma miséria, uma miséria muito grande.
O que é que aconteceu, chegamos à idade escolar, idade escolar. O meu mano, porque não podíamos ir os três para a escola, porque ele fazia muita falta ao meu pai, porque o ajudava no gado, chegou a ficar noite inteiras só a vir comer, porque o meu pai às vezes nas paródias não aparecia e ele coitadinho, para não ter medo, fazia fogo, fazia um lume. Que dizendo que fazendo lume os bichos já não se aproximavam.
E então nós íamos para a escola, para a da minha avó. Uma viúva, uma pobrezinha que andava à esmola, que ia buscar a comida a uma casa, que lhe chamávamos a casa da sopa, para aquelas pessoas que eram viúvas, não era para toda a gente, mas que era viúvo. Tinha um cestinho, com uma panelinha lá dentro, uma tampinha de cortiça e ia todas as tardes aquela casa da sopa buscar feijões, uns feijões com arroz ou feijões com massa, era o que lhe davam. Um quarto de pão e ia todos os dias buscar. Quando chegávamos a casa da minha avó, fui muita vez buscar, já depois de maiorzinha. Vai lá buscar a sopa da avó filha e eu ia. O que é que a minha avó fazia, como éramos mais, que ela também tinha netos de outros filhos, que também não tinham há mesma, que aquilo era igual. A gente tapava-se com sacas, as nossas camas, os nossos colchões eram palha de milho, tapávamo-nos com sacas. Andávamos a trabalhar até com sacas, a minha mãe andava a trabalhar com uma saca à cintura e uma saca às costas. Uma saca é aquelas sarapilheiras, aquelas sacas de sarapilheira, onde a gente mete hoje o carvão, mete assim os cereais ou as coisas. E então era assim, eu ia buscá-la e a minha mãe quando chegava a casa, uma casinha pobre, humilde, que nem um chão direito tinha, de terra, de terra. O chão era terra, nem era direito, tinha uma rocha daqui uma rocha dali, porque era só o que havia.
E a minha avó ainda lhe metia um cocho, nós chamamos um cocho aqueles cochos de cortiça, um cocho de água lá para dentro dos feijões, porque a ver se eles davam para mais algum. Quer era para dar pelo menos uma tigelinha para cada um ou um pratinho a cada um, daquela sopa. E ela ia à esmola com um rancho de viúvas e de pessoas que não tinham nada aí pelas casas ricas, nós tínhamos cá muitas casas ricas em Portel. Tínhamos muito latifundiário nessa altura. E então elas andavam coitadinhas, um dava-lhe um tostão, outros davam dois tostões, outros davam uma bolacha, outros davam uma pinga de azeite, era assim. E ela levava para casa tudo quanto lhe dessem, ela levava para casa, um bocadinho de pão, que a gente estávamos lá. E eu dizia, avó não vás à esmola e ela dizia filha como é que a avó não vá, então o que vocês comem, então o teu pai não pode dar nada, os teus tios estão na mesma, o que é que a gente come? Tenho que ir, pelo menos a gente ganha para o petróleo para acedermos o candeeiro e para fazermos alguma coisa para a gente comer, com a pinga do azeite.
E então assim fomos, eu andei à escola, a minha mana também andou e cheguei à quarta classe.
MVI_6085
MLM:
Então a minha juventude foi assim. Acabamos a escola, o que é que havia para a gente naquela altura? Era trabalho. Não havia mais nada. Acabamos a escola e fomos logo, tinha dez anos e já ia apanhar grão, dos tremoços, aqueles trabalhos assim sem serem trabalhos de muito peso.
Depois, com onze anos já ceifava, quando foram as oito horas, quando foi aquela revolução das oito horas que as pessoas não trabalhavam de sol a sol, trabalhávamos de sol a sol. Eu apendi ainda a trabalhar de sol a sol, era nascer o sol começávamos a ir para o trabalho, punha-se o sol e o manajeiro, o manajeiro era o encarregado que andava no trabalho, vamos embora, mas era preciso o sol estar bem escondidinho. Depois houve uma luta das oito horas, já era mais crescidinha, já eu tinha não sei era catorze ou quinte anos, já não me lembro bem, mas sei que nesse ano da luta das oito horas estávamos ali numa, numa herdade de um senhor aqui na freguesia da Atalaia, quando as oito horas, quando houve aquela revolução das oito horas. E então foi assim, os senhores, os ranchos que iam para a ceifa de Portel fazia as oito horas e os trabalhadores que estavam debaixo dos telhados, que moravam nas casas dos patrões, faziam as doze, porque estavam lá morando com ele.
Eu fui começar a trabalhar mais o meu irmão, no dia em que essa lei foi nova, fui começar à ceifa mais o meu irmão, eu levava uma rendinha para ir fazendo ali enquanto tínhamos algum bocadinho de descanso e eles chegaram e vamos começar a trabalhar, vamos começar a trabalhar. Fomos trabalhar. O meu pai andava ali com as ovelhas, nessa altura o meu irmão já perito, aprendeu os trabalhos todos do campo. O meu pai disse vais aprender os trabalhos todos do campo, se não quiseres ser pastor não és, se quiseres ser pastor és, mas enfim ele pronto. Fez sempre, sabe tudo mas foi pastor. E então começamos a trabalhar, o meu pai deu ali a volta com o gado, parece que estou a ver ali a herdade em que andávamos a trabalhar e ele disse assim, então quem é que te mandou ir trabalhar? Foi o manajeiro. Não, não, vocês só vão trabalhar quando vier o pessoal de Portel, quando vier os de Portel é que vocês vão trabalhar. Era o que mais me faltava agora era vocês irem trabalhar quatro horas mais que os de Portel, não nem pensar. Vão para a sombra do chaparro. Pois fomos para a sombra do chaparro e pus-me a rimar a rendinha e como é o picado e como não sei o quê. Quando a malta, chegou o pessoal de Portel e o rancho de Portel começaram a tratar das semedidas e começar a fazer o lume e não sei, não sei quê e começaram a trabalhar. Vá agora vão lá com esses. Fomos. O patrão à noite despediu o meu pai. Mandou-o chamar, lá onde ele vivia, vivia no monte. Diz lá ao Pedro Madeira que venha cá. O meu pai foi. Então que é que querem? Tas despedido. Então olhe, não é tarde nem é cedo, telefone já, telefone lá, que você tem telefone aí aos Farins para me virem buscar a tralha que eu vou-me imediatamente embora. Para onde é que agente vinha? Para a casa da minha avó. Os meus pais não tinham casa e ela tinha aquela casinha, muito humilde, que o estado tinha arranjado da do Alfredo, era do Alfredo e da Maria Joana, tinha aqueles altos lá ao pé do castelo.
Então para a do meu pai e para a da minha avó, viemos outra vez todos. Para a da minha avó outra vez. Ela coitada arranjou lá espaço e para ali ficamos. Tive de me ir defender à minha mãe, não quer ir trabalhar com as mulheres da vila? Eu não as conheço bem. Ó Maria, não sejas parva, a gente tem de trabalhar com toda a gente. Bom comecei aqui a trabalhar em Portel, pois, logo em pequenina também, às vezes até irmos de noite, aos trabalhos que começavam mais cedo e depois vínhamos mais tarde. Quer dizer fugíamos ao calor, ao sol. Comecei a ir trabalhar aí com a malta da vila, comecei, começamos a ir na vida da gente, vida da desgraça. Molhadelas, vínhamos molhadas quilómetros e quilómetros a pé e vínhamos molhados cheios, cheios sem termos um plástico. O plástico já apareceu depois, que não havia plásticos, só havia aquelas ditas das sacas que eu digo e não havia botas de borracha, não havia um plástico, quando chegamos as minhas primeiras. Mas éramos tão parvas, tão parvas nessa altura, vínhamos cantando o caminho inteiro.
Uma vez vínhamos com uma molhadela tão grande, que fomos bater à porta de um patrão, que era o Manuel da Corte e começamos a cantar: Ó senhor Manuel da Corte, que é um grande ramalhete, tente lá dar mais um tostão da algibeira do colete. Já vínhamos com uma molhadela tão grande e ainda fomos cantar à porta do outro. Éramos mesmo alteras, mas éramos parvas mesmo. Não interessa.
Então começamos a trabalhar, íamos para onde havia. Entretanto o meu marido foi para guarda florestal, já estou a falar do casamento. Fiz assim, já tinha quinze ou dezasseis anos, eu tinha um grande corpo, eu era uma grande mulheraço, comecei a namorar. Ele já me ia buscar à porta da escola. E então, começamos a namorar e fizemos vida juntos. Fizemos vida juntos, nasceu a minha Maria Rosa que é a minha filha mais velha, ele estava na tropa em Beja. Depois foi para Évora, para a tropa de Évora, mas foi como outros fomos para Évora para o pé do meu pai, que o meu pai era pastor em Évora nessa altura. E então o que é que aconteceu, entretanto ele sai da tropa, tem trabalho, vamos, ele vai para guarda florestal, ali para um monte que é laranjeiras do doutor Zé Rico, doutor Zé Rico. Vai para guarda florestal, nasceu lá a Ana Paulina e os meus outros filhos mais velhinhos estavam em idade escolar, mas não havia ali escola, e não tínhamos transporte para os trazer para Portel. Então andamos a fazer petições, baixos assinados para o governo, para os presidentes, para os, para os cíveis também. Na altura havia em Évora, e então andamos pedindo que os rapazinhos por Évora, que havia doze ou treze rapazinhos que precisavam de escola, mas era uma escola na Atalaia, que era duas casinhas, pronto, não interessa, era a sala de aula, comum a casinha de banho e pouco mais, mas os rapazinhos começaram a ir para lá.
Foram para lá à escola e a professora dos meus filhos nessa altura, tinha, já estou a falar na revolução agora, vá. A professora dos meus filhos tinha o marido no ultramar e ao sábado era o dia em que eles faziam aquelas coisas de cante e de, ao sábado não trabalhavam normal, era livre, era um tema livre. E a professora dos meus filhos, já lhe andava dizendo que isto estava, ia haver uma revolução, por causa das tropas do ultramar, estavam a morrer muitas tropas, ia haver uma revolução e ensinou-lhe a Grândola ao sábado. Mas eu não sabia de nada, não sabia de nada, ela ensinou-lhe a Grândola. Entretanto, os rapazes vinham e quando chegavam ao monte calavam-se, isto não é para se dizer a ninguém, isto é só para aqui, não se canta em lugar nenhum, não se diz a ninguém. As crianças não diziam, com certeza.
Bom, naquele dia da revolução, os rapazinhos vão para a escola e voltam para trás daí a bocadinho. Digo então não houve escola? Mãe houve uma revolução, a cantiga da nossa professora já se pode cantar. Pus o rádio e tínhamos um rádio e uma televisãozinha de bateria, tínhamos uma televisãozinha pequenina de bateria e tínhamos um rádio, fui ligar o rádio e estava cantando a Grândola. Olha, olha é a nossa cantiga, vocês cantaram. Então e ela ensinou? Ensinou a nossa professora, que a nossa professora dizia que havia uma revolução. Eu ponho-me a observar aquilo bem, a ouvir aquilo muito bem, mantenham-se nas suas casas. Calma, para não haver distúrbios e não haver nada e vai da Grândola. Isto é uma revolução e vai. Isto é com do governo, com certeza. Bom lá comecei a perceber melhor aquilo e digo, pronto é uma revolução, os rapazinhos já não foram à escola.
Entretanto, já lá estávamos havia para aí já uns quê, a Ana Paula não chegou a ir pra lá à escola, passado aí uns tempos, a herdade foi apanhada pela reforma, pela cooperativa da Reforma Agrária de Monte Trigo, na rainha do Alentejo. Apanharam a herdade e nós viemos embora, viemos embora e viemos embora para Portel, os rapazes foram para a escola e eu fiquei. E houve uma reunião muito grande, nessa altura, porque as pessoas que andavam trabalhando nessas terras, não recebiam há muito tempo, os patrões já sabendo o que se ia dar, uns foram para aqui outros foram para ali e dinheirinho que é bom nada. Há pessoas que tiveram, olha ali o Marolinho disse um dia destes que teve onze ou doze meses sem receber. E depois, as pessoas não recebiam o que é que acontece, o que é que aquela reunião deu, fizeram uma reunião muito grande a malta de Portel, o povo foi todo aquela reunião e eles andaram com um microfone a avisar que ia haver uma reunião muito grande no sindicato, que a gente, era a casa do sindicato, para a gente se reunir para a gente sabermos o que é havíamos de fazer à vida, porque as pessoas não recebiam, que isto era uma crise muito grande que aí andava, que os patrões não apareciam, não pagavam. Fomos à dita reunião, foi-se, naquela reunião foi eleita uma reunião do sindicato, uma direção do sindicato, aonde fui eu eleita e a Teresa Navalhas, a Arminda, mãe do outro Capela que trabalha na câmara e uma senhora que está agora até no ar já, Maria Cecília. Fomos as quatro para, então porque é que não vão, mas então não podem os homens, porque têm outra coisa para fazer. Os homens têm mais coisas para fazer. Vão lá vocês. O que é que aconteceu, aquilo que é que se resolveu, é assim, não pagam nós vamos para as herdades. Vamos apanhar as terras, não podemos estar sem comer. Os nossos filhos têm de comer e tal qual os filhos deles, está-se aqui a criar uma grande crise e a gente vai avançar. E os homens dividiram-se, uns foram para uma herdade, outros foram para outra e começaram a trabalhar a terra, a trabalhar, a produzir, a semear e a fazer as coisas para a gente ter o que comer. Andavam a vender com um trator aí nas ruas, couves, repolhos, feijão, aquilo que produziam. E a gente ficamos ligadas ao capitão Porto, era um capitão em Évora, é que nos dizia, as do sindicato, era fazer a distribuição das mulheres, que os homens já estavam naquele sítio, também a descrição das mulheres trabalhadoras rurais. Eram as outras elas tinham a vida delas. E então, lá o que é que aconteceu e então, a gente é que distribuía as pessoas.
Ali na Quinta do Ramalho, por exemplo, a gente não quer cá mais mulheres, que o trabalho está quase pronto. Não quer, mas tem que querer a gente ainda tem aqui umas três ou quatro, manda-as para lá. E o capitão Porto telefonava de lá, então como é que estão para aí as coisas? Isto foi no tempo do 25 de abril em que se fazia tudo. Fazia-se tudo e mais alguma coisa. O que realmente, o poder foi dado ao povo. Tínhamos aí uma rapariga que era uma filha bastarda, era bastarda, o pai era um ricaço aqui de Portel, era o senhor Fonseca, um senhor ricaço, mas fez aquela menina à empregada dele, a emprega tinha para aí uns catorze ou quinze anos quando teve aquela menina, mas nunca a assumiu como pai. Apesar dele, dele nunca, se íamos com ela, ele comprava a ela e comprava a nós. Havia lá um funcionário na casa dele, uma pessoa jamais antiga, e ele mandava esse funcionário levar comida a casa da filha, mandava levar dinheiro.
MVI_6086
MLM:
Apesar dele fazer isso tudo, o que é que ela faz, ela era filha dele, mas ele não quis assumir. O que é que a gente faz a uma altura, o que é que dá na cabeça em fazer. Convidamos aí o pessoal da vila, da terra, com o microfone numa carrinha do José Colaço, e andamos na rua, quem quiser vir entregar a casa à Antónia venha hoje à tarde, que a gente vai lá entregar, a casa é dela. Ele tinha já lá metido um primo, um primo dela, um primo ricaço dela, até diziam que ele estava lá armado, não sei se estava ou não, que a gente nunca vimos a espingarda. Então a malta foi toda ter aquele largo, ele cortou a luz lá em cima e os nossos homens, subimos as escadas com os isqueiros dos homens, com os isqueiros dos homens, que naquela altura era de pedra, fomos lá acima. Chegamos à janela da casa dela, isto é tudo nosso, isto é da Antónia, Antónia anda para cá que a casa é tua. Estava aí o capitão Porto, entrou, entrou, pela casa dela. Era a altura em que se fazia tudo.
Íamos às entregas das terras e fazíamos tudo. Chamávamos tudo, a toda a gente, não sei como a gente não levou porradas. Houve muita gente que levou ainda porradas. Naquela entrega da terra, que é aquela, que é a Folgoa, era a Folgoa, as cooperativas estavam ligadas e pediam ajuda umas às outras. Quando havia algum problema numa cooperativa, então a cooperativa de Ilhó telefonou, ou mandou carta, ou telefonou para a de Portel, foi o nosso pessoal lá e ia só homens, naquela altura foi só homens, a ver se ajudavam, porque eles iam tirar ou um rebanho de gado, de vacas ou ovelhas, não sei do que era. Então a malta foi, a sorte naquele dia, por pessoas que viram mesmo, tive um cunhado que fugiu, foi ter quase a Évora à Torre de Coelheiros fugindo deles, a sorte foi a camioneta da carreira, a gente chama-lhe agora é os autocarros aí, abriu as portas, duas portas da camioneta para os homens que vinham fugindo meteram-se dentro e o homem da camioneta avançou. Porque a guarda com cavalos batiam, mas batiam a sério. Não era bater de brincadeira, era bater a sério. Escrutadas e cartadas até mais não. Então nessa altura, aqui em Portel também houve, eu um dia tenho um retrato do Ti Nabo tenho dos filhos, também levou umas vardascadas, já foi aqui na, aqui na cooperativa. Também viemos do São João, também mandaram a gente vir embora dos trabalhos, que ia aqui haver uma manifestação, depois eles ainda bateram aí, até não sei se foram os de cá se foram alguns de cá, já não me lembro, alguns guardas de cá, sei que levamos. Eu não levei, mas o meu cu também estava assim, como o de nove. A entrega das herdades, faz e já tiram as coisas à gente, estes, aqueles, os outros, a vocês estão muito alteradas, diziam os guardas, vocês aí estão um bocado alteradas. Abalávamos aí a corta mato, íamos para, andávamos por aí, mulheres doidas.
E então, o que é que aconteceu, deu-se então o problema de irmos para eleições, depois, quando foi a nossa candidata, quando foi o doutor João, que era, quando foi aquela salvação, não foi a junta de salvação, foi a comissão administrativa para a câmara. E só depois é que houve eleições e quando veio eleições livres, é que foi quando a Manuela Oliveira se candidatou e, pronto, lá ganhamos as eleições.
MVI_ 8088
Andei em todas, para além de andar no sindicato, andei sempre à frente, andei sempre na faixa na frente, andei sempre à frente. Fui candidata à freguesia de Portel, à assembleia municipal, andei lá uns poucos de anos, fui candidata ainda à câmara na lista da câmara, então depois fui eleita vereadora, um ano porque um camarada meu faleceu, já não quis continuar, eu refiro-me até onde a gente pode chegar, não precisava então não fiquei. Então fizemos assim, então andei sempre, sempre à frente. E o poder local democrático foi uma conquista, é a maior conquista de abril. Foi a maior conquista de abril, porque o poder autárquico, o poder autárquico democrático deu, era, era uma foi uma raiz que estendeu os braços, por tudo o que era bom para a população. Desde a saúde, desde as escolas, as escolas públicas, os médicos do nosso lado, à frente também nestas lutas, nestas greves, nestas coisas, vendo a gente, os professores, os professores o mesmo também fizeram tudo por causa da escola pública, porque só tínhamos as escolas da altura daquele senhor e nessa altura ficamos, nem com as escolas rapazes e raparigas, muitos porque também não havia, era rapazes de um lado e raparigas do outro, isso fazia tudo parte do outro regime.
Nós tínhamos médicos nessa altura em Portel, de todas, de todas as qualificações, de cabeça, de barriga de tudo, moravam aí nas herdades que tinham sido, onde os trabalhadores estavam. Vieram como voluntários, como não pagavam casa, tinham ali aquilo. E vinha muita gente de fora, do Norte, estrangeiros ver as cooperativas, ver como a gente atuava, ajudar, fazer perguntas, isto era uma amizade. A gente às vezes até cantávamos camaradas lá do Norte vem ao Sul passear, na nossa cooperativa há sempre mais um lugar. E então era verdade, as pessoas vinham eram bem-recebidas, isto era tão lindo, tão lindo que a gente íamos tratores inteiros de mulheres e íamos trabalhar para as herdades, que é o que às vezes me mete mais aflição. Íamos cantando todo o caminho e vínhamos e havia trabalho para todos e recebíamos o dinheiro todo ao fim do mês, então e agora? Você, você passa aí hectares e hectares e hectares de terra, tem, um rebanho de gado aqui e é porque têm subsídio e ainda lá estavam. Os patrões ainda têm subsídio e vêm uma pessoa ou duas numa herdade e ninguém trabalha, o trabalho, a gente sabe que hoje há outras máquinas e outras coisas, mas é assim no tempo antes do 25 de abril, o meu marido ganhava um conto e novecentos por mês que são dezoito euros, tinha eu já cinco filhos, já éramos cinco pessoas, quatro rapazes, seis pessoas com a Ana Paulina. Ganhávamos um conto e novecentos, veja dezoito euros. Na reforma agrária, quando a reforma agrária começou a gente recebia cinco contos, ora já foi uma grande diferença, de um conto e novecentas para a gente receber cinco contos é dinheiro. E o que é que as pessoas começaram a fazer com aquele dinheirinho, a vida das pessoas melhorou um bocadinho, não melhorou só na base da saúde e não melhorou só na base da educação, não melhorou só na base das autarquias, melhorou também nas famílias, com trabalho, começaram a fazer, cada um fazia a sua casinha como podia. Estes terrenos foram-nos dados pela autarquia, este terreno aqui onde eu estou foi nos dado pela autarquia, não foi só este, foi a rua toda para cima, foi nos dado pela autarquia. Tínhamos o terreno, então o que é que começamos a fazer, ao fim do mês tirávamos ali um dinheirinho e comprávamos umas sacas de cimento, comprávamos umas tijoleiras, comprávamos umas vigas, metíamos um pedreiro um dia, depois metíamos o pedreiro depois para outro dia, depois tinha ajuda deste, tínhamos a ajuda daquele. Fizemos uma casinha. Não foi grandes casas, mas dá para a gente viver e pronto, compramos uns sofás e umas televisões e era o nosso, tínhamos direito, tínhamos direito a isso, tal como os nossos filhos, também tinham direito a outras coisas, tal e qual como os outros. Mas é assim, quem diz hoje precisamente e daí para cá depois também houve uma altura em que as coisas também não havia trabalho, fazíamos a tapetes de arraiolos, fazíamos enfim aquilo que apanhávamos.
Mas agora, agora nesta fase em que a gente está as pessoas dizem, as reformas são pequeninas sim senhora, podiam ser melhores, podiam ser melhores sim senhora, podíamos ter mais, mais direitos à saúde podíamos, mas que o serviço nacional de saúde nunca acabe e que as reformas, também nunca acabem, porque o meu marido teve um avô que trabalhou 50 anos aqui no matadouro, 50 anos, no outro regime e não teve um tosto de reforma. Quando daqui o mandaram embora, já não podia trabalhar, foi para uma casa de banho e recebia o que as pessoas lhe queriam dar nas casas de banho públicas. Portanto não podemos dizer assim, estamos mal, estamos, estamos mal sim senhora, mas estivemos muito pior. Hoje a pessoa que está reformada, mesmo que ganhe 400 ou 500 euros, pronto é as reformas mais se calhar, também há quem receba 350, portanto essas ainda são piores, a gente hoje já não compra sapatos todos os dias porque já não precisa comprar, não compra roupa todos os dias porque já não precisa comprar, já não come o que comia certas alturas, já não gasta dinheiro em certas coisas. Hoje os reformados ajudam os netinhos, podem ajudar os netinhos e a vida da gente vai andando, se não tivermos doenças, se não tivermos doenças vamos indo. Melhoramos porquê? Porque houve uma eleição para o poder autárquico democrático e porque houve eleições livres e democráticas e as coisas começaram a melhorar.
MVI_ 6089
MO:
Que transformações é que teve nas relações com os maridos, com os filhos, com as outras mulheres? A participação na sociedade como é que foi conte lá mais um bocadinho disso
MLM:
As mulheres que eram ao fim e ao cabo, antes disto eram um objeto, eram um objeto, eram um objeto da casa, eram um objeto da casa, uma cadeira ou uma mesa que ali estavam.
Depois disto, a evolução das mulheres foi uma coisa fora do normal, porque é assim, quem é que via uma mulher num café, está quieto ninguém ia a um café, os cafés eram dos homens caminhavam de manhã e só de lá vinham à noite. Às vezes ainda vinham para casa e ainda vinham implicar e dar porradas. Era a comida feita e era mais nada, comida e vinho e estavam, e as mulheres começaram a pensar isto, isto realmente tem de levar uma volta. Tem de dar uma volta. Eu tinha aí uma amiga minha que íamos para uma reunião do partido, o meu marido crescia-lhe logo aí o mouco, eu chamo-lhe o mouco, porque ele punha-se de maldisposto. Eu vou para a reunião do partido e eu dizia assim à Teresa, o meu já está mouco, mas eu agora vou, que é para ele se contrariar. Assim é que ele tem de aprender e íamos. Vínhamos de lá sozinhas às duas e três da manhã, logo no princípio eles não queriam isto, até onde é que andaste até estas horas.
O meu marido não teve outro remédio se não habituar-se, teve de se habituar. E as coisas evoluíram de uma tal maneira, quem é que ia às piscinas de mulheres velhas, quem é que vestia um fato de banho, está quieto, nem os maridos queriam, nem pensar em tal, elas não podiam andar com as pernas à mostra quanto mais um fato de banho. E então, houve as piscinas municipais, houve outra mil e uma coisa que a gente aderiu e a evolução das mulheres tornou-se uma coisa muito mais livre, nem tem comparação com o antigamente. Pois, então aqui em Portel viu-se, eu até dizia assim na brincadeira, desde que as piscinas foram feitas ainda não vi tanta mulher com as mangas à cava e com vestidos curtinhos. Também se aproveitaram um bocadinho daquilo, fizeram elas bem. Pois, e então foi assim.
Começamos a ter a nossa vida e agora todos os dias vamos ao café, vamos aonde a gente quer e tem vontade, porque a gente para se darmos ao respeito nem é preciso estar metidos em casa e a fazer as vontades, por isso é que hoje em dia a malta mais moderna mete-lhes as coisinhas na mala e mete-a à porta. As raparigas de hoje, eu não censuro as raparigas novas fazem isso. Não, não censuro, porque é assim, não se dão, cada um para seu lado. Está bem é bonito o casamento, é bonito o casamento, é bonito é bonito, mas aquilo também não somos nenhumas servas. Olha agora, estou há sessenta anos com o meu, mas também não tenho assim grandes, não tenho muita ofensa. Não tenho, porque o contrariei. Uma vez levei uma sova dele, porque eu tinha um grupo, tinha um grupo que era o Estrela Vermelha, e fazíamos assim coisas de teatro da minha cabeça, andávamos aí nas aldeias e então ele então onde é a volta. Vou para o Alqueva, os rapazes vão lá. Começamos a mandar vir um com o outro, era na festa da Páscoa, a minha sogra tinha feito uns bolos, mas tinha-os deixados malcozidos, ele apanhou um bolo daqueles e aventa-mo aqui e eu tinha os dentes a quererem apodrecer e eu mordo, com o dente mordo aqui o lábio, assim que eu vi o sangue, filha, eu disparatei. E agora vou, agora vou, agora vou aqui limpar a boca e vou ao Alqueva, estava destinado a eu ir ao Alqueva. E o pífaro não leva aqui a minha Maria Rosa, e passou aqui na minha rua e disse-me assim, ainda há bilhetes para o golfe, não é assim, ainda há bilhetes para o judo. Eu digo assim, este agora também me veio chatear a cabeça, o Zé Pombinho tinha um feitio dele. Não vás, não vou o quê, mas você é que manda? Você manda tanto como manda ele. Olha lá que dás cabo, quero lá saber e fomos, e fomos. Eu contrariava-o assim, ele já não se importa. Coitado, também já não quer saber de nada, agora diz-me assim, vocês estão a querer-se enganar, então vocês estão nas anedotas, pois não sei.
Valorización, destrucción y programación
Acumulaciones
Sistema de arreglo
Área de condiciones de acceso y uso
Condiciones de acceso
Condiciones
Idioma del material
Escritura del material
Notas sobre las lenguas y escrituras
Características físicas y requisitos técnicos
Instrumentos de descripción
Área de materiales relacionados
Existencia y localización de originales
Existencia y localización de copias
Unidades de descripción relacionadas
Área de notas
Identificador/es alternativo(os)
Puntos de acceso
Puntos de acceso por materia
Puntos de acceso por lugar
Puntos de acceso por autoridad
Tipo de puntos de acceso
Área de control de la descripción
Identificador de la descripción
Identificador de la institución
Reglas y/o convenciones usadas
Estado de elaboración
Final
Nivel de detalle
Parcial
Fechas de creación revisión eliminación
Idioma(s)
- portugués
Escritura(s)
- latín
Fuentes
Objeto digital metadatos
Nombre del archivo
PT-CIDEHUS-SHAMEM-VOZPLU-0001-0001-0005-0001_d.mp4
Latitude
Longitude
Tipo de soporte
Video
Tipo de documento MIME
video/mp4