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Título
Data(s)
- 2024-01-25 (Produção)
Nível de descrição
Documento simples
Dimensão e suporte
137MB; suporte digital (mp4)
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Nome do produtor
História administrativa
Fundado em 1994 , o CIDEHUS começou por designar-se “Centro de Investigação e Desenvolvimento em Ciências Humanas e Sociais”. A sua área disciplinar nuclear era então a Sociologia.
A sua atividade organizava-se em quatro grandes campos:
1) Sociologia do Desenvolvimento;
2) História da Europa do Sul e do Mediterrâneo;
3) Educação e formação profissional;
4) Linguística Geral.
Em 2001 , quando passou a ter na História a sua disciplina nuclear , mudou de designação para Centro Interdisciplinar de História, Culturas e Sociedades . Manteve a mesma sigla (CIDEHUS) e organizou-se em seis linhas:
1) O Sul: dinâmicas sociais e políticas
2) O Sul: culturas, discursos e representações
3) O Sul: património edificado, cultura material e arqueologia
4) Portugal e a Europa
5) Portugal e o Mediterrâneo
6) Portugal e os espaços de presença lusófona
Em 2007 , o CIDEHUS fixou a sua atenção nas problemáticas do Sul , condensando as anteriores linhas em três grupos:
RG1: O Sul e o Mediterrâneo: dinâmicas sociais e culturais
RG2: Património, Cultura Material e Arqueologia no Sul da Europa e no Mediterrâneo
RG3. Bibliotecas, Literacias e Informação no Sul
O programa nuclear foi de novo reajustado em finais de 2013 , configurando-se em torno de: «História, património e mudanças societais: um laboratório do Sul», ramificando-se em duas linhas temáticas, subdivididas em grupos – “L1: Mudanças societais” e “L2: Património e diversidade cultural” – e num grupo de articulação – Literacias e património textual.
O CIDEHUS assumiu então o modelo de laboratório para salientar o seu dinamismo e o seu interesse no conhecimento aplicado .
Em 2018 , o CIDEHUS sofreu uma nova reorganização, passando a dividir-se em apenas dois grupos:
G1 – Mudanças societais
G2 – Património, Literacias e Diversidade cultural.
Com esta alteração, o CIDEHUS pretende reforçar a coesão, estimular o trabalho colaborativo e potenciar as abordagens interdisciplinares.
No passado recente do CIDEHUS, destacam-se ainda os seguintes marcos institucionais:
- 2013 – Criação da Cátedra UNESCO
- 2014 – Criação do Laboratório de Demografia (DemoLab)
- 2016 – Lançamento do CIDEHUS Digital
- 2017 – Criação Laboratório de Turismo (Tourism Creative Lab).
História do arquivo
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Âmbito e conteúdo
Composto pela gravação audiovisual da entrevista e a respetiva transcrição.
Transcrição Ana Ourives
Entrevistada: Ana Ourives (AO)
Entrevistadora: Maria Ana Bernardo (MAB)
Localidade: Vimieiro
Data: 25 de janeiro de 2024
Transcrição: Diana Henriques (20/05/2024)
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AO:
Ana Rosa Saias Galhardo Ourives, nasci na Casa Branca. E vim para o Vimeiro com três anos, morar para os montes. Os meus pais vieram trabalhar para cá e eu vim com eles e depois aqui ficamos até hoje.
MAB:
E que memórias é que tem de, como era a sua infância?
AO:
Ora, a minha infância era muito má, andava descalça, só comecei a ter sapatos quando fui para a escola que tinha sete anos. E depois era uns sapatos para tudo, não tinha melhores, nem mais ruins, e pronto, era assim a minha vida. Pobre mesmo, pobre. Nunca passei fome, graças a deus, mas quer dizer, mas era uma vida de pobre mesmo.
MAB:
E tem mais irmãos?
AO:
Tive mais dois irmãos, aonde tive um que morreu com doze anos, mentira, sete anos, eu é que tinha doze anos quando ele morreu. E depois tinha também o meu irmão, este que faleceu também agora, agora faz três anos e tenho a minha irmã, que é a mais nova.
MAB:
E como é que era a vida em casa, como é que era a mobília, o que é que tinham, o que é que não tinham
AO:
Que não tínhamos. Olha, tinha cama para dormir.
MAB:
Cada um tinha a sua cama?
AO:
Cada um não, eu dormia com a minha irmã, o meu irmão é que dormia sozinho e agora a gente as duas dormíamos juntas e pronto. E era, a mesa para comermos e as cadeiras e os mochos, que havia mochos na altura, e era essa vida assim. Nunca passamos fome, mas era sempre aquelas comidas dantes, comidas que agora pouco se usam até. Eram comidas de sopa de tomate, eram batatas com peixe, açordas, era migas, era essa comida assim.
MAB:
E viviam num monte e o teu pai tinha uma horta ou não?
AO:
Não, o meu pai enquanto morou no monte tinha uma horta, tínhamos couve, batatas que ele semeava e essas coisas a gente até tinha, mas de outras coisas de pão e manteiga vaqueiro, que era o que a gente tinha. O meu pai matava sempre o porquito e tínhamos então, a linguiça e nem havia muita carne grossa, era para dar mais, era linguiça e a farinheira, assada e cozida, toucinho cozido para fazer torradas, era mesmo esta vida assim.
MAB:
E quando foste para a escola já moravas aqui no Vimieiro ou vinhas do monte?
AO:
Morava no monte, chamado a Quinta do Formiga.
MAB:
E vinhas a pé para a escola?
AO:
E vinha a pé para a escola, também não era muito longe, era ali perto do convento. Era ali o convento de um lado e o monte era ali do outro e dali vinha a pé para a escola.
MAB:
E vinhas sozinha?
AO:
Não, porque vinha a Mariana e a Jacinta da Bita, a filha da Bita, vinham ter comigo, que elas moravam na Teja, vinham ter comigo ali à quinta, vínhamos às três para a escola. Ainda vim algum tempo sozinha, mas geralmente era com elas.
MAB:
E do que é que te lembras assim de brincadeiras de infância que fizesses, como é que era viver ali no monte, enquanto criança.
AO:
Olha, no monte enquanto criança eu tinha as minhas vizinhas e então havia uma grande cabana naquilo e a gente, as coisas que as nossas mães partiam, pratos, tigelas, qualquer coisa aproveitávamos. E dali fazíamos com terra umas divisões, que era a casa de cozinha, outra era o quarto, e compúnhamos com bocados de loiça partida.
MAB:
E brincavam às casinhas
AO:
E brincávamos assim às casinhas. Era, no tempo em que pronto, enquanto andava na escola ainda não é. Depois quando saí da escola fui logo para o trabalhinho, fui logo para o trabalho do campo. Fui a primeira coisa que fui, foi à monda, arrancar erva na ceara de trigo e depois dali continuei. Depois veio a monda, a ceifa, depois o meu pai tomava bocados de empreitada na ceifa, e eu ia com eles e ceifava aquilo que, se estava cansada ou se estava muito calor ia para debaixo da árvore descansar. E depois continuava quando me apetecesse e era assim.
E pronto, chegou-se a altura do Ribatejo, fui para o arroz ceifar, mas aí já tinha de ser a sério, já não era a brincar, já era quando queria, e lá me safei. E pronto, foi assim.
MAB:
E tinhas que idade quando foste para o Ribatejo?
AO:
Tinha doze anos
MAB:
Quando foste para o Ribatejo?
AO:
Quando fui para o Ribatejo. Tinha doze anos, porque eu quando comecei com os meus pais, eu ainda nem tinha os doze anos, acho que depois então é que eu fiz os doze anos em outubro
MAB:
E no verão seguinte?
AO:
E no verão seguinte fui para o Ribatejo
MAB:
A primeira vez?
AO:
Andei à azeitona primeiro. Primeiro andei à azeitona, os meus pais andavam varejando, ripando e eu apanhava a azeitona do chão, o restelo como se chamava e as saltonas, que saltavam tínhamos de apanhar tudo, era assim.
MAB:
E vocês iam todos os anos?
AO:
Eu todos os anos fui para o Ribatejo, até casar, fui para o Ribatejo.
MAB:
Todos os anos iam para o Ribatejo, não era? Era o vosso caso ou não?
AO:
Eu fui todos os anos para o Ribatejo
MAB:
Iam fazer campanha de trabalho
AO:
No Ribatejo, a ceifar
MAB:
Mais ou menos quantos meses?
AO:
Não me recorda bem, chegava a ser quase dois meses pois.
MAB:
A ceifar?
AO:
Acabávamos num patrão, o meu pai logo ia ver de outro, íamos para outro, às vezes chegávamos a ter dois patrões, às vezes era só num arrozeiro, mas geralmente era assim, pronto.
MAB:
E porque é que iam para o Ribatejo, Ana?
AO:
Íamos para o Ribatejo, porque na altura que era de ceifar o arroz, aqui não havia trabalho.
MAB:
Aqui no Vimieiro?
AO:
Aqui no Vimieiro não havia trabalho e então, íamos sair, geralmente muita gente saía assim. E era isso.
MAB:
Tens ideia de muita gente aqui do Vimieiro fazer esse tipo de vida?
AO:
Tanta gente, a gente chegava a ir, eu cheguei a andar com um grupo aqui do Vimieiro e nem só, não é. Eu cheguei a andar com grupos aqui do Vimieiro de dez, quinze pessoas. E mais outros de outros sítios que vinham também, assim.
MAB:
Que iam para o Ribatejo?
AO:
Que iam para o Ribatejo. Cheguei a ir também para a azeitona para Santarém, mas aí já era mais velha, aí já tinha mais quinze anos ou dezasseis talvez, não me recordo bem, para Santarém para a azeitona também. Porque aqui também havia azeitona não é, mas como era para mais tempo e saíamos assim. O meu pai saíamos e íamos para o Ribatejo e íamos para Santarém e isso. Cheguei também a andar ao tomate no Ribatejo. Andei foi no arroz, no tomate, de empreitada até a apanhar à caixa.
MAB:
E lá, como é que é era a vida lá no Ribatejo? Onde é que ficavam, que condições de vida
AO:
No Ribatejo ficávamos num grande barracão e ali tínhamos um pau a dividir as camas e dormíamos assim todos seguidos.
MAB:
As famílias dormiam todas
AO:
Todas. Juntava-se a parte de mulher com mulher, o homem com homem. Os solteiros eram para outro sítio, que era para dormirmos ali todos que éramos solteiros, solteiras ou solteiros, não é. Mas era assim. E era ali tudo seguido que não havia distinção, se não um pau no meio e a cama era de palha de arroz, e com roupa que nós levávamos não é, para fazer a cama, cobertores ou
MAB:
E quando precisavam de lavar roupa e essas coisas como é que faziam?
AO:
Havia no Ribatejo
MAB:
E a higiene, não é
AO:
Isso, olha, lembro-me tão bem. A gente haver lá perto uns montes caídos e nós tínhamos alguidares grandes que nós levámos e íamos para lá para esses coisos tomar banho, ficavam algumas a tomar conta, não viesse alguém e nós outras lavamos assim. E depois até havia os canais de água ou havia ribeiras ou isso e nós íamos lavar a roupa para aí assim e púnhamos a enxugar.
MAB:
E a cozinha como é que faziam?
AO:
A cozinha, olha, era quase como a gente além, cada um tinha a sua panela, fazia-se um lume grande e ali é que se punha a comida a fazer. Raro acontecia não ser em panela de barro, mas tinha era uma sertã. Os meus pais, pronto, aquilo era uma sertã dava a volta para fazer umas migas, ou uma sopa de tomate, ou isso. E era aí isso que se fazia.
MAB:
Entretanto, foste crescendo e trabalhavas
AO:
Sempre, trabalhando.
MAB:
Começaste a namorar também.
AO:
Comecei a namorar
MAB:
Com que idade?
AO:
Dezoito, eu comecei mais cedo, mas aos dezoito anos é que comecei mesmo a namorar, que o meu marido ia então falar comigo era aos dezoito anos. Ainda cheguei a andar no Ribatejo, com dezassete e ele para me ir ver, abalava de bicicleta e ia ter onde a gente andava, que ele também andava, ele também andava no Ribatejo, que era noutros sítios. E depois ia ter onde a gente andava, só para vermos.
MAB:
Só para se verem, porque com dezassete, ainda não tinhas autorização.
AO:
Nada, só aos dezoito é que eu comecei a namorar mesmo.
MAB:
E era porque antes dessa idade o teu pai não dava autorização?
AO:
Não dava autorização, achava muito nova para eu ir, para eu já namorar, com dezassete anos não podia namorar ainda. Aos dezoito anos foi porque eu lhe pedi mesmo. Pai olha eu tenho mesmo
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AO:
Eu quero mesmo namorar, eu já tenho dezoito anos e tens de me dar autorização para eu falar com o meu namorado. E então aí é que ele, de má vontade, mas deu-me autorização para ir para a janela.
MAB:
Namoravas à janela?
AO:
Namorei à janela, pois.
MAB:
Notaste alguma diferença na atitude do teu pai, por comparação do teu namoro com a tua irmã mais nova?
AO:
Sim, muita diferença. A minha irmã já tinha uma liberdade muito diferente da que eu tive.
MAB:
Para namorar?
AO:
Para namorar. A minha irmã já, eu namorei sempre à janela, se tinha calor ou não ia para a janela, porque coiso, não namorava, pronto esperava que tivesse sombra, mas ele não podia entrar nem no quintal. Não entrava, porque a minha janela era lá, tinha lá à frente, entrava assim. Já a minha irmã já tinha a liberdade de poder ir para outro sítio e, na rua à mesma, no quintal, mas ir namorar com ele, lembro-me dela, tinha lá um tanque a minha mãe, e eles sentavam-se no tanque a namorar.
MAB:
Porque é que tu achas que o teu pai mudou assim de atitude, de ti que eras mais velha para a tua irmã?
AO:
Que era mais nova. Eu acho que ele que na altura, penso eu que era por isso, ele, a minha mãe coitadinha a mãe morreu-lhe cedo e depois ele, ela estava à de uma irmã, não é porque não tinha a mãe, então ele se calhar namorava quando queria, ajuntava-se com ela e estavam quando queria. Tanto que eu não sou de nove meses, eu, os meus pais arranjaram-se antes de se juntarem. Juntaram-se depois quando eu nasci. E então o meu pai, se calhar tinha receio, não fizesse eu o mesmo. E cá eu, era o que eu pensava. Que eu cheguei ainda a dizer-lhe: Ó pai, eu não vou fazer o mesmo que você fez e então pode andar descansado, esteja descansado com isso, porque eu não vou fazer o mesmo que você fez. E pronto foi assim.
MAB:
E então achas que quando foi a tua irmã, que já era mais nova
AO:
Eram outros tempos, já era outra liberdade, já podia sair mais. Eu para ir a um baile ou uma festa, uma coisa a minha mãe tinha de ir comigo, eu não podia ir com outra pessoa, ainda assim. E pronto foi isso. E a minha irmã já tinha outra liberdade, já podia ir.
MAB:
Já era mais tarde?
AO:
Já podia ir com outra pessoa, já podia estar com ele ao pé ou qualquer coisa e eu não. Nunca tive essa liberdade.
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MAB:
E foi um namoro longo ou não?
AO:
Foi, foi ainda um namoro longo, foram cinco anos e meio, porque ele foi para o ultramar e esteve lá dois anos no ultramar e depois quando veio, ainda falamos um tempo é que depois decidimos então casar. Tinha vinte e quatro anos.
MAB:
Tinhas vinte e quatro anos.
AO:
Pois
MAB:
E resolveram casar nessa altura, com vinte e quatro anos e não esperarem mais tempo ou não terem casado antes porquê? Acharam que aquela é que era a altura certa?
AO:
Achamos que é que estava na altura, porque já tinha vinte e quatro anos e estava na altura para mudar de vida e pensava que ia ser uma vida melhor e mudou um bocadinho, mas também não mudou. Como eu depois comecei mais tarde a mudar então, como eu não tinha o meu pai, mas tinha o meu marido que ainda me passava muitas regras.
MAB:
E ainda foram trabalhar?
AO:
Ainda fomos para o Ribatejo. No primeiro ano de casados ainda fomos para o Ribatejo.
MAB:
E quando casaram foram para uma casa vossa ou para uma casa à renda?
AO:
À renda, fomos para uma casa à renda. Lá ao pé da escola, lá em cima, e então depois fomos para uma casa à renda.
MAB:
E levavas enxoval?
AO:
Levei. É claro, um enxoval de pobreza, não foi grande enxoval, mas geralmente tudo o que era necessitado, de lençóis, a cobertores, a toalhas, a isso geralmente a minha mãe arranjou-me tudo. Serviço de jantar, não era bom era ruim, serviço de vidros, não era bom era mais ruim, mas levei isso tudo.
MAB:
E quando era solteira e estavas a trabalhar, aquilo que ganhavas era para ti ou era para os teus pais?
AO:
Era para a casa, aquilo que eu ganhava era para a casa, só que depois quando ia para o Ribatejo, fazia-se horas e essas horas era para mim. Os fins de semana, que eu fizesse é que o meu pai, me dava esse dinheiro para mim também. Era o que tinha era isso, era das horas, porque a gente chegava a largar a uma certa hora, e depois no fim jantávamos e isso e ainda íamos fazer duas ou três horas até à meia noite, íamos trabalhar e nessas horas que pagavam, era mesmo para mim esse dinheiro. E os fins de semana que eu trabalhava, o meu pai dava-me esse dinheiro.
MAB:
Ainda foste para o Ribatejo, depois de casares, muitos anos?
AO:
Não, não. Foi só já um ano. Depois de casar já só fui um ano, já para o Ribatejo. E depois aí já pronto, arranjei trabalho. E a seguir também veio e arranjei a minha filha. E depois veio a cooperativa. Depois começou a cooperativa e ele foi para a cooperativa e eu tive a minha filha e fiquei em casa ainda um tempo, e depois foram só homens na altura e depois quando foram as mulheres, eu fui também. Deixei a minha filha com uma pessoa amiga, ficava-me com ela, eu dava-lhe um tanto e foi assim.
E depois mais tarde, a minha mãe deixou ela de trabalhar, ela também tinha muitos problemas e ficou-me ela com a minha filha.
MAB:
Porque é que tinhas de deixar a tua filha, ou com uma pessoa amiga ou com a tua mãe?
AO:
Porque só o ordenado do meu marido não dava para pagar uma renda, para comermos e sustentarmos a bebé, não é.
MAB:
E não tinhas outro sítio onde a deixar se não
AO:
Não, se não aí. Depois ficava assim com essa pessoa. Também ainda ficou com a tia do meu marido também, mas foi pouco tempo e depois a minha mãe, ela andava sempre doente também e o meu pai começou-lhe a dizer: então deixas tu de trabalhar, ficas. E depois ela reformou por invalidez e então ficou ela a tomar conta da minha filha.
MAB:
Lembras-te de que ano é que foste trabalhar para a cooperativa?
AO:
Não me recordo, mas sei que eu que estava com a minha filha, que ela era pequena quando começaram a organizar isso das cooperativas e então o meu marido foi, e depois ainda demorou, mas eu não sei já, não me lembro. Não me lembro, não.
MAB:
E mesmo ainda antes de ires para a cooperativa, lembras-te de como tomaste conhecimento que estava a acontecer uma coisa, que era uma revolução…
AO:
Quando eu tive noção de estar a ser a revolução do 25 de Abril, eu não sabia nada, eu não tinha televisão, eu não tinha nada e depois, foi uma vizinha, é que me disse que estava a ser isso da revolução. Eu até tive um bocado de receio, pensei que alguma coisa ia surgir mal, mas graças a deus então não. Foi aí que veio o 25 de Abril.
MAB:
E foste vendo pela televisão?
AO:
Depois, vendo pela televisão, mas foi pelo que a minha vizinha me chamou para eu ver, porque eu não tinha televisão, não tinha nada.
MAB:
Depois aqui na vila, no Vimieiro, como é que começaste, começaste a notar assim a pouco e pouco alguma coisa de diferente, que estavam a fazer aqui, daquilo que te recordas, relacionado como 25 de Abril?
AO:
Sim, depois começou a mudar tudo. As pessoas a mudarem também, com a liberdade. E foi aí que tudo começou a mudar um pouco. E começou, das cooperativas, mas eu não me lembro de maneira nenhuma. Eu não me lembro mesmo.
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AO:
O meu marido então aí comprou a televisão, porque nós, eu não via nada. Era só aquilo que ouvia às outras pessoas, porque eu não sabia mesmo diretamente notícias. Eu não sabia notícias nenhumas, pois só por aquilo que ouvia. Isso era mesmo. Depois bem mais tarde é que começaram então a haver mais, as televisões, o meu marido comprou uma a branco e preto, nem era e foi assim a partir daí, começamos a ver.
MAB:
Ou seja, foi já depois do 25 de Abril que tiveste a primeira televisão?
AO:
E bem. E foi bem.
MAB:
E outras coisas de conforto para a casa?
AO:
Ó, então quer dizer, eu quando casei até levei, pronto, a mobília de cozinha, a mobília de quarto e até de casa de jantar, até tinha de casa de jantar também, mas não tinha sala.
MAB:
E tinhas fogão a gás já?
AO:
Tinha fogão a gás já, porque com as prendas que me deram do casamento comprei o fogão a gás, porque eu quando casei, nem levei logo fogão, mas como deram algumas prendas em dinheiro e aí, nós fomos comprar o fogão. Nem tinha frigorífico, também não, também depois nós fomos trabalhar e então aí é que compramos o frigorífico também. Pois, mas foi tudo já a seguir a eu ter casado é que foi que compramos isso, geralmente agora tudo leva, não é? Mas na altura eu não. O fogão é que foi comprado com esse dinheiro, porque já não deu para o frigorífico, que eu não recebi assim grandes prendas, mas pronto, o fogão ainda foi.
MAB:
Casaste por igreja?
AO:
Por igreja, sim, sim.
MAB:
Depois vieram então as cooperativas
AO:
Depois mais tarde, que eu nem sei, não me lembro.
MAB:
E tu foste trabalhar para a cooperativa?
AO:
Eu fui trabalhar para a cooperativa, tive de deixar então a minha filha, foi na altura em que eu a deixei, com aquela pessoa amiga e pronto, fui então para a cooperativa.
MAB:
E mais ou menos, quantos anos é que trabalhaste lá na cooperativa?
AO:
20 anos.
MAB:
Até ao fim da cooperativa?
AO:
20 anos, até ao fim da cooperativa, porque depois tinha terminado e depois houve alguns, onde era o meu marido, também ficou, ainda continuou mais algum tempo. E então foram aí 20 anos.
MAB:
Foram 20 anos. Que diferenças é que tu achas, entre trabalhar na cooperativa e trabalhar para os patrões?
AO:
Muita diferença, porque a gente ali tinha de trabalhar, não é verdade. Que era para aquilo, ver se dava alguns resultados, não é, para se ter algum ganho com aquilo. Mas nos patrões era muito diferente, do que na cooperativa, não é. Mas pronto, trabalhar a gente tinha de trabalhar mesmo, mas era diferente.
MAB:
E trabalhavam todo o ano ou algumas vezes ficavam em casa?
AO:
Primeiro, geralmente, a gente trabalhava quase todo o ano, mas depois houve altura em que não havia assim mais trabalho e ficávamos no desemprego.
MAB:
Já na fase final?
AO:
Ficávamos então no desemprego e pronto, era assim.
MAB:
E daquilo que te recordas, chegaram a trabalhar nas cooperativas famílias inteiras?
AO:
Era eu e o meu marido e as outras pessoas também.
MAB:
Famílias o casal
AO:
Também. Até depois acabou com a minha sogra e o meu cunhado ainda foi para lá para a cooperativa também. Não tinham trabalho e então lá precisavam, e meteram para lá e eles ainda foram, a minha sogra e o meu cunhado, mais novo, mais novo não que mais nova é a minha cunhada, mas eles ainda foram os dois. Não, ela também andou. Mas depois também casou e foi para o estrangeiro, para arranjar uma vida melhor, como ainda lá se encontra, no estrangeiro.
MAB:
E no teu caso Ana, quando a cooperativa acabou, tu ainda estavas em idade de trabalhar?
AO:
Sim
MAB:
Como é que foi, o que é que aconteceu?
AO:
Então, quando acabou a cooperativa, eu tive de procurar patrão e fui para o patrão, que era o Diamantino. Ele fazia tomate, ele fazia pimentão e foi para aí trabalhar e ainda andei, sem ser por conta deles, por outro patrão, que era o Manuel Aldeias, que ainda andei lá a trabalhar. E pronto. Depois, mais tarde, fui então, que já não faziam a plantação de tomate e de pimentão e fui trabalhar para a câmara. Andei na câmara, a trabalhar foi aí até depois reformar.
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MAB:
Quando o teu namorado teve de ir para o ultramar, o que é que tu achaste que era aquilo, como é que encaraste?
AO:
Quando o meu namorado foi para o ultramar, eu pensei que ia para a guerra, que ele tinha de ter muita sorte para ir e vir, com bem, porque havia muitos que lá ficavam. Mas graças a deus ele foi e veio com bem.
MAB:
E aí escreviam-se, como era?
AO:
Escrevíamos. Era, geralmente, assim que lá recebia. Ele é que me escreveu de lá para mandar a direção, não é, e depois eu respondia. Ele quando lá recebeu, respondia novamente, e foi assim que passamos esses dois anos, ou dois anos e qualquer coisa que eu acho que ainda foi dois anos que ele lá esteve. E depois ele mandava-me fotografias, e eu mando algumas de cá também, para ele não me esquecer, porque eu tinha mesmo ali a ideia que eu gostava que tudo corresse bem, para que um dia fizéssemos vida. E assim foi.
Sempre separados, mas pronto. Ele sempre, nunca pensou noutra coisa se não em mim, dizia ele, eu também pensava era nele. E depois não ia a festas, não ia a nada, porque ele estava no ultramar e foi assim esses dois anos que passei, mas não depressa, pois. Valeu a pena, que ele graças a deus, foi e veio com bem e pronto, temos feito a vida juntos, com uns altos e baixos, não foi só com altos, também com algumas baixas, pois.
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MAB:
Depois do 25 de Abril, e no que diz respeito à vida das mulheres, que era a vida em casa, que era vida às possibilidades de saírem, achas que, foste notando algumas diferenças?
AO:
Algumas diferenças sim. Porque mesmo o meu marido, era mesmo daqueles homens mais antigos, ainda hoje ele é um bocadinho, mas mudou muito, mesmo depois com as minhas filhas e tudo, saíamos a bailes, festas e tudo. E a liberdade começou a ser outra, que ele nunca me proibiu de nada, vamos lá, se até hoje eu não saio é porque não quero, porque ele nunca me proibiu de sair, nem nada. Então pronto, a liberdade das mulheres começou a ser outra também, porque por outro lado tinha entrado o 25 de Abril e nós também queríamos liberdade, para a gente, não é.
MAB:
E daquilo que te lembras no trabalho da cooperativa, achas que as mulheres também quando achavam que deviam falar, falavam ou eram mais caladas? Ou só os homens é que discutiam?
AO:
Quer dizer, os homens no início, os homens é que dispunham mais e coiso, mas a gente também tinha a nossa liberdade de dar opinião, mas eles é que eram os que mais, pronto. Mandavam e coiso, mas nós depois também começávamos, começaram tínhamos a liberdade de poder dar a nossa opinião. E então quando foi mais para o fim, já a gente se opunha também, para termos também direitos, mais ou menos como eles. Alguns direitos não é, porque ainda era diferente. O ordenado deles era um, o deles era outro, os ordenados não eram iguais, mas pronto, foi indo assim.
MAB:
E aqui no Vimieiro, tens essa ideia de que as mulheres foram, a pouco e pouco, a sair mais
AO:
Sim, a sair, antes ninguém ia assim ao café. Eu também não vou, nem fui, raro, mas geralmente começou logo tudo mais a sair, a ir ao café, a sair. A liberdade começou logo a ser outra.
MAB:
E em relação às tuas filhas, notas que elas já tiveram uma vida bastante diferente?
AO:
Muito diferente, muito diferente. Muito diferente, mesmo da que eu tive, pois. É diferente.
MAB:
Elas foram estudar?
AO:
Sim
MAB:
As duas foram estudar?
AO:
Quer dizer, estudar até ao décimo segundo, foi até aí que estudaram. A Fátima não, que a Fátima lembrou-se de pôr a namorar e depois não quis estudar mais, essa saiu com o nono ano, mas agora já fez depois de adulta, já fez o décimo segundo também.
A Sandra essa é que fez logo o décimo segundo, pois.
MAB:
Lembras-te de ir a algumas manifestações, a reuniões de sindicato?
AO:
Depois do 25 de Abril, de andar a trabalhar na cooperativa, haviam aquelas manifestações e nós íamos também a manifestações, a favor de nós, porque eles não queriam que a gente apanhasse as terras e isso. E fomos muita vez, assim a manifestações, pois. Até ali quando foi na Lorita, não me lembro, que depois os patrões até expulsarem ali os trabalhadores.
MAB:
Ou seja, foste ainda quando foi já na fase da entrega de terras aos patrões, foste ainda a algumas dessas manifestações?
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AO:
Quando foi aí já na entrega, de entregar aos patrões e então lembro-me ainda de a gente ir e os patrões a quererem as terras e nós a não querermos que eles a recuperassem e então quer dizer, que depois, ainda houve aí alguns problemas. Ainda houve alguns problemas, que eles ainda levavam, alguns ainda a quererem atiravam. Chamavam a GNR, depois ainda atiravam tiros para o ar, não era para as pessoas, mas houve ainda sítios onde ainda mataram algumas pessoas. Em Baião e em Montemor, também, ainda houve onde as pessoas tivessem ficado mal com isso, porque ainda mataram pessoas, mas depois aí, começou a ser, geralmente, tudo a recuperarem, a recuperarem até que nós tivemos que ficar parados, porque tínhamos menos poderes.
MVI_6478
AO:
Quando foi na fase das entregas, nós íamos, mas tínhamos medo, porque os guardas, não é, andavam só ali tudo contra a gente e nós, eram capazes de atirar, que ainda morreram algumas pessoas. E nós tínhamos medo sim. E tínhamos, às vezes, de acabar por fugir à frente deles. Íamos para o reboque e abalávamos de lá, porque a gente estava com muito medo daquilo e fomos para o reboque, para não sermos atingidas por tiros, também. Que eles podiam mandar e apanhar a gente.
MAB:
Lembras-te de quando foram as primeiras eleições? Foste votar?
AO:
Fui, fui sempre votar. Agora é que não vou.
MAB:
Mas até agora tens votado sempre ou não?
AO:
Agora, quer dizer, eu quando começaram as eleições, eu sempre fui votar, mas agora há um ano ou dois que eu não vou. E eu, está lá como outro, a gente vai votar e não vota para onde eles querem e depois eles fazem o que quiserem à mesma, e eu pensei, vou votar, não me serve de nada o meu voto, agora não vou votar.
MAB:
E quando foi, se te recordas dessas primeiras eleições, as pessoas eram muito, eram assim
AO:
Eu acho que ia tudo, geralmente, ia tudo. Ia tudo dar o seu voto. Agora para ultimamente é que acho que ia já sempre faltando, sempre pessoas que não iam, onde eu também não ia.
MVI_6480
AO:
Eu acho que depois dos 50 anos do 25 de Abril que mudou e para as mulheres então, que foi a mudança mais ainda foi com as mulheres. Que temos mais liberdade e pronto, que tudo, eu acho que valeu a pena.
MAB:
E achas que a generalidade das pessoas tem melhores condições de vida?
AO:
Têm melhores condições, embora isto esteja muito mau agora, porque é só a aumentar, a aumentar e ordenados completamente, estão na mesma, as reformas, também como eu já estou reformada e o meu marido, também não têm aumentos assim, e então quer dizer que isto agora também não está numa fase muito boa.
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