Documento simples 0001 - Entrevista a Josefa Correia

Área de identidad

Código de referencia

PT/CIDEHUS/SHAMEM/VOZPLU/0002/0002/0001/0001

Título

Entrevista a Josefa Correia

Fecha(s)

  • 2024-02-08 (Creación)

Nivel de descripción

Documento simples

Volumen y soporte

139MB; suporte digital (mp4)

Área de contexto

Nombre del productor

(1994 -)

Historia administrativa

Fundado em 1994 , o CIDEHUS começou por designar-se “Centro de Investigação e Desenvolvimento em Ciências Humanas e Sociais”. A sua área disciplinar nuclear era então a Sociologia.

A sua atividade organizava-se em quatro grandes campos:
1) Sociologia do Desenvolvimento;
2) História da Europa do Sul e do Mediterrâneo;
3) Educação e formação profissional;
4) Linguística Geral.

Em 2001 , quando passou a ter na História a sua disciplina nuclear , mudou de designação para Centro Interdisciplinar de História, Culturas e Sociedades . Manteve a mesma sigla (CIDEHUS) e organizou-se em seis linhas:
1) O Sul: dinâmicas sociais e políticas
2) O Sul: culturas, discursos e representações
3) O Sul: património edificado, cultura material e arqueologia
4) Portugal e a Europa
5) Portugal e o Mediterrâneo
6) Portugal e os espaços de presença lusófona

Em 2007 , o CIDEHUS fixou a sua atenção nas problemáticas do Sul , condensando as anteriores linhas em três grupos:
RG1: O Sul e o Mediterrâneo: dinâmicas sociais e culturais
RG2: Património, Cultura Material e Arqueologia no Sul da Europa e no Mediterrâneo
RG3. Bibliotecas, Literacias e Informação no Sul

O programa nuclear foi de novo reajustado em finais de 2013 , configurando-se em torno de: «História, património e mudanças societais: um laboratório do Sul», ramificando-se em duas linhas temáticas, subdivididas em grupos – “L1: Mudanças societais” e “L2: Património e diversidade cultural” – e num grupo de articulação – Literacias e património textual.

O CIDEHUS assumiu então o modelo de laboratório para salientar o seu dinamismo e o seu interesse no conhecimento aplicado .

Em 2018 , o CIDEHUS sofreu uma nova reorganização, passando a dividir-se em apenas dois grupos:
G1 – Mudanças societais
G2 – Património, Literacias e Diversidade cultural.

Com esta alteração, o CIDEHUS pretende reforçar a coesão, estimular o trabalho colaborativo e potenciar as abordagens interdisciplinares.

No passado recente do CIDEHUS, destacam-se ainda os seguintes marcos institucionais:

  • 2013 – Criação da Cátedra UNESCO
  • 2014 – Criação do Laboratório de Demografia (DemoLab)
  • 2016 – Lançamento do CIDEHUS Digital
  • 2017 – Criação Laboratório de Turismo (Tourism Creative Lab).

Historia archivística

Origen del ingreso o transferencia

Área de contenido y estructura

Alcance y contenido

Composto pela gravação audiovisual da entrevista e a respetiva transcrição.

Transcrição Josefa Correia
Entrevistada: Josefa Correia (JC)
Entrevistadoras: Maria Ana Bernardo (MAB), Manuela Oliveira (MO)
Localidade: Ilhas de Arraiolos
Data: 09 de fevereiro de 2024
Transcrição: Diana Henriques (22/05/2024)

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JC:
Chamo-me Josefa do Carmo Carolino Correia, nasci nas Ilhas, vivo nas Ilhas, continuo nas Ilhas.

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JC:
A minha infância, os meus pais eram muito pobres. O meu pai vivia, trabalhava no trabalho do campo, no rural, a minha mãe também. Éramos cinco irmãos, eu era a mais nova, mas graças a deus, com o esforço do meu pai e da minha mãe, de trabalharem tanto, de se levantarem às cinco da manhã para irem trabalhar de sol a sol. Nunca nos faltou pão, nunca passamos fome, nunca andamos descalços como algumas crianças andavam, nunca tivemos roupa de querer vestir, embora a minha mãe a lavasse à noite para nós a pudermos vestir de manhã, mas tivemos sempre roupa para vestir.
E foi uma infância muito dura, porque os meus pais trabalharam muito e penaram muito para criar cinco filhos. O meu pai trabalhava no campo, teve um acidente que partiu os dois joelhos, esteve em Lisboa um ano, sem nós o pudermos ir ver, que era as minhas irmãs mais velhas, não era eu, eu vi contaram ao meu pai e sem a minha mãe ter dinheiro para o ir ver. Esteve um ano no hospital sem ninguém o ver, sem ninguém o ver. Só quando se pôs capaz é que veio para cá, porque nessa altura só se podiam ir ver os ricos, os pobrezinhos não tinham dinheiro para nada. Que tivessem doentes, que não tivessem, estavam para lá arrumados um ano, que não havia camionetas, que não havia dinheiro para camionetas, não havia dinheiro para autocarros, não havia dinheiro para nada. Se não só para comer e mal.
Foi a minha infância foi assim. Brinquei muito, ria muito, cantava muito. Era uma pessoa muito alegre, até me puseram Maria Papoila, que ainda hoje me chamam Maria Papoila, porque eu gostava muito de cores, andava sempre de mini saia. Vivi a minha infância muito feliz, muito feliz. Com amigas muito boas, que ainda hoje nos damos bem, de coração, porque hoje já não há essa amizade de coração, mas eu ainda tenho amigas de infância de coração. Então eu tive uma infância muito bonita e muito boa. Nunca tive um pai que batesse numa filha, a minha mãe era um bocadinho mais áspera, mas eu tive um pai que era um excelente pai, o meu adorado pai, que morreu como nós não queríamos, mas a vida é assim.
Ainda hoje tenho quatro irmãs, nunca nos brigamos, nunca ainda discutimos, nunca tivemos nada, todos nos damos bem. Tivemos uma infância pobre, muito pobre, mas muito bonita. O meu pai sentava-nos à chaminé: Filhas venham cá cantar com o pai. E vinha farto de trabalhar, e nós sentávamo-nos todos à roda dele ao lume que era a chaminé grande e ali estávamos a cantar. Ele gostava muito de cantar Ó Oliveirinha da Serra; O chapéu preto, Ó que lindo chapéu preto. Foi uma infância muito linda que eu tive.

MAB:
E quando terminou a quarta classe, depois ficou em casa ou foi imediatamente trabalhar?

JC:
Quando terminei a quarta classe, havia um senhor que era de Vila Viçosa, que era o senhor, não me lembro bem, mas o último nome dele era Ortigão, que era ali na SOFAL quando se vem de Évora, aí é que nós cosíamos tapetes. A senhora que mandava na gente, que já morreu, chamava-se Maria de Jesus e então, nós íamos para lá trabalhar. Nessa altura não havia aquela coisa de termos só de trabalhar aos dezoito anos, a qualquer idade ia. Mas foi um senhor muito bom, porque nós íamos para lá com treze e catorze anos e ele dava-nos as regalias todas. Punha-nos logo na segurança social, tive logo segurança social desde os treze anos, tinha no bilhete, que ainda eram aqueles bilhetes antigos. Parecia uma boneca de cera, a gente éramos tão pequeninas e magrinhas, que nos deu logo as regalias todas. Trabalhei lá muitos anos, muitos anos. Quando se deu o 25 de Abril, então aquilo acabou. Então houve uma outra senhora que se chamava Senhorinha, que depois montamos os tapetes mais cá em baixo, ao largo da estrada, uma casa que aí estava

MAB:
Em Arraiolos?

JC:
Não, nas Ilhas à mesma. Que ela fazia parte sindical e depois montou esses tapetes, mas depois eles não compravam, a gente não tinha para onde distribuir, porque os ricos não compravam, porque se tinha dado o 25 de Abril. E ela então, acabamos tudo com isso. Depois formou-se a cooperativa dos tapetes. Formou-se a cooperativa dos tapetes até hoje. Como eu era sócia, uma ia-se associando a outra, pagávamos nessa altura, 750 escudos, 750 escudos para associarmos. Cosíamos lá quase toda a gente, da minha mocidade, cosia lá muita gente das aldeias, muita, muita gente sempre lá a coser. Depois essa senhora fechou aquilo, não fechou, meteram outras na comissão, essa senhora foi para a Suíça, não quis saber dos tapetes. Eu trabalhei lá muitos anos ainda, trabalhei lá para aí uns 20 anos.
MAB:
Na cooperativa?

JC:
Na cooperativa dos tapetes, cosi lá para aí 20 anos. E depois tivemos uma altura aí mesmo na cooperativa, eu como tinha cinco irmãos tivemos de sair, porque os meus pais não tinham dinheiro arranjado para a gente, porque nós não recebíamos ordenado, porque eles não compravam os tapetes. E então cada uma decidiu ir trabalhar para seus lados.
A minha irmã mais velha casou com 20 anos, trabalhou sempre no campo, eu cosia tapetes, mas depois cosia em casa. Havia muita gente que cosia em casa, ia buscar à fábrica e cosia em casa

MAB:
E era uma ajuda

JC:
Era uma ajuda, para o marido que andava com os camiões fora para o Algarve, para o Norte e isto, e ela cosia em casa. De maneira que eu cosi sempre nos tapetes. Depois fomos ainda para a fábrica do tomate, que era além ao pé da igrejinha, ainda trabalhei lá uns meses grandes. Depois voltei outra vez para os tapetes, para a cooperativa, e aí, nos tapetes, andei muitos anos outra vez, muitos anos. Trabalhei à volta de todo o tempo que lá estive, para aí uns 20 anos na cooperativa.
E depois engravidei do meu filho, tive nove meses na cama, porque não podia fazer nada. Nasceu ele, tinha a minha sogra uns primos que tinham uma fábrica que fazia peças para a TYCO, ele trabalhava na TYCO, então a minha sogra disse: Ó Josefa, como comprastes agora a casa, fizeste agora uma casa de novo, tens mais despesas, tens a menina, se tu quisesses na fábrica, tu ganhavas mais e eu pedia ao meu primo e tu ias para a fábrica. E assim foi. A minha sogra pediu ao primo, eu ao fim de dois dias estava na fábrica. Tinha o meu filho seis meses, fui para essa fábrica trabalhar. Trabalhei lá dezassete anos, sem perder um dia.

MO:
Em Évora?

JC:
Em Évora. Sem perder um dia. Eu no gráfico quando me vim embora, disse que foi das melhores empregadas que eu cá tive, mesmo com filhos pequeninos, nunca perdeste um dia, nunca faltaste uma hora, nunca faltaste um sábado. Nunca faltastes nada.
E depois vim-me embora de lá, depois entrou o senhor Sócrates, que deu a reforma aos 55 anos, com 40 anos de caixa. Eu tinha 42, nessa altura a minha filha tinha-se divorciado, tinha três netos pequeninos, a mais pequenina tinha dois anos e meio, nós é que a tínhamos de ajudar, se não mais ninguém se não os pais, nós os pais fazemos tudo por tudo. E eu vim-me embora da fábrica, para fazer pelos meus netos, não era para fazer, porque eles estavam na creche, era para os ir levar, ter tempo dos ir buscar e levar, porque a minha filha trabalhava em Montemor na Santa Casa da Misericórdia, quando era as oitos horas tinha de lá estar. Ora os meninos tinham de estar na pré-escola ou na creche às nove, ora como é que eu podia estar às sete horas a trabalhar numa fábrica, para depois os ir levar às nove. Tive de sair. Saí da fábrica, vim para o desemprego.
Vim para o desemprego, estive três anos e quatro meses no desemprego. Tive um ano na Santa Casa da Misericórdia, estive um ano na escola primária das Ilhas, estive outro ano no ciclo de Arraiolos. Depois daí saiu a lei de aos 55 anos, com 40 anos de caixa, passar para a reforma. Passei do desemprego para a reforma. Para a reforma a trabalhar, continuei a trabalhar, porque a reforma era tão pequenina, que não dava, porque me penalizaram cinco e meio porcento. E a senhora disse-me lá, quando a senhora fizer os 66 anos, vai recuperar esse dinheiro e fica com a sua reforma por inteiro. Mentira. Ficamos na mesma. Fui lá, ficamos na mesma, como fiquei da primeira vez, foi como fiquei até agora.
Tenho de trabalhar para ajudar os meus netos, para ajudar as minhas filhas, os meus filhos, porque infelizmente, não têm ordenados para comprar uma casa. Eu quando comprei a minha casa, tirava, levantava 2000 ou 3000 euros e desse dinheiro, levantávamos despachávamos os papéis para poder comprar a casa. Eles agora têm de ter 20 000 euros ou 10 000 euros, o meu filho foi, tinha de ter 10 000 para a papelada, fora do que lhe emprestavam, ele tinha de ter 10 000 euros, para ter papéis para a Caixa Geral de Depósitos, para lhe fazerem os papéis para ele poder comprar uma casa. Como é que é possível com os ordenados que eles têm? Com 800 euros, está bem que agora levantou um bocadinho mais, mas de qualquer das maneiras, levantamos mais, como é que esta juventude pode comprar uma casa? Eles têm que abrir a pestana, eles têm que abrir a pestana. Não é com o ordenado que eles ganham que eles vão a algum lado. Eles estão até aos 40 anos em casa dos pais. Eles têm filhos, divorciam-se e vão para casa dos pais. Eles não têm dinheiro, vão pedir aos pais que estão reformados. Eles têm de ver o que andam a fazer da vida, eles têm de ver o que andam a fazer da vida.

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JC:
Não havia telefonias em muito lado. Então para ouvirmos a rádio Moscovo, nós tínhamos uma vizinha, que nem toda a gente tinha telefonia, como hoje nem toda a gente tem televisão. Então aquela senhora vivia perto da minha mãe e era prima da minha mãe. Tinha uma telefonia e nós, aí às dez, quando dava a rádio Moscovo, dez, dez e meia aquela hora, olhávamos para todos os cantinhos, que não sabíamos onde eles estavam, púnhamos o xaile preto pela cabeça, e íamos para casa dessa senhora, todas com o rádio baixinho, com o ouvido, ali a ouvir a rádio Moscovo, a ouvir o que eles diziam.
Depois saíamos de lá, olhávamos para todo o lado, não tivesse algum a ouvir a gente ou a ver e lá íamos a gente. Íamos todos os dias.

MAB:
E porque é que iam ouvir a rádio Moscovo? E como é que sabiam da rádio Moscovo?

JC:
Ora, como é que sabíamos. Começávamos a transmitir, este diz isto, tenho de ouvir aquilo, temos de ouvir a outra coisa, olha que aquilo é muito interessante. Começávamos a comunicar umas com as outras e ela dizia, a senhora já era de mais idade, assim como a Celeste, sabia mais que nós, que éramos mais miúdas na mocidade, e lá vínhamos todas. Daí em diante, começamos a perceber o que aquilo queria dizer, da PIDE, de isto daquilo, dos que prendiam, dos que não prendiam. E ouvia-se aquilo. Na rádio.

MAB:
Aqui nas Ilhas

JC:
Aqui nas Ilhas. Lá nas Ilhas, ao pé da minha mãe. Mas íamos às escondidas.

MAB:
Ouviam dizer ou conheciam algumas pessoas

JC:
Não conhecíamos ninguém

MAB:
Que fossem presas

JC:
Cá na minha aldeia, não demos por ninguém. Lá por ninguém ter sido preso ou que tivesse sido castigado ou nada. Na minha aldeia não.

CM:
Em Arraiolos?

JC:
Em Arraiolos também não me lembro.

MAB:
Há pouco falava que gostava muito de mini saia

JC:
Eu gostava

MAB:
Ali na parte da adolescência que usava mini saia. Como é que era a vida aqui nas Ilhas para as raparigas ou em Arraiolos? Usavam mini saia, mas às vezes não eram criticadas? Como é que era assim a vida das jovens, sobretudo das jovens raparigas?

JC:
Das jovens raparigas, éramos a gente, era fazermos os nossos bailaricos. Tínhamos uma sociedade, que era em frente à minha casa, que hoje já não existe, que aquilo caiu tudo, infelizmente. Não temos sociedade, não temos nada nas Ilhas, porque tudo tem acabado, mesmo que a gente peça ajuda, ninguém ajuda. Infelizmente.
E então quase todos os fins de semana havia bailaricos e a gente ia para os bailaricos com os namorados.

MAB:
Iam com os namorados?

JC:
Pois, com os namorados

MAB:
Sem os pais?

JC:
Não, não. Os pais atrás, as mães iam com a gente. Ficavam na cadeira de trás, com os xailes pretos nas costas e a gente andava a dançar. Eu estava com o meu namorado, em casa já por fim, eu casei com 26 anos, o meu marido foi marinheiro dois anos. Eu estava assim num sofá grande, como estou assim aqui, com o namorado, mas já foi assim para o fim dos anos quase de estar a casar. É que ia para casar, que a gente namorava à janela. Não tínhamos ordem de ir para casa. As mães eram rigorosas, mas algumas não viam nada. Queriam ver tudo e não viam nada.
A minha mãe estava ali onde está a Celeste, e eu estava aqui no sofá, ou mais perto com o meu marido, a namorar.

MAB:
Em casa

JC:
Em casa, está a ver.

MAB:
Era em casa?

JC:
Era em casa o último ano, o último ano já pedida para casar. Outros anos era à porta ou à janela.
Eu namorei muito. Eu namorei muito por escrito. Olhe namorar, namorar, só namorei o meu marido. Aos dezoito anos.

MAB:
O que é que era isso de namorar por escrito?

JC:
Era sairmos da escola, fazíamos o escrito: Olha vem. Gosto muito de ti, vem ter comigo a tal sítio. Eu vou à fonte. Íamos à fonte, com o cantarinho

MAB:
Não tinham água canalizada?

JC:
Não tínhamos água, não tínhamos pão. Eu, morávamos nas Ilhas, em solteira, na Ilha do Castelo, e quando casei fui para a Ilha da Boavista, já estou casada há 53 anos, 45 anos que eu estou casada. Íamos ao pão para a semana inteira, à Ilha da Boavista, para a semana inteira, a minha mãe juntava ali o pão, a gente levava o dia inteiro com o pão, debaixo para cima a brincar. E depois aquilo havia uma grande rivalidade entre as duas ilhas, havia lá uma grande pedra, ao pé da Igreja. Aí, à igreja, aí na parte rural, havia uma pedra muito grande que a gente chamava-lhe a pedra da avó.
E então como a gente lhe chamava a pedra da avó, a gente, os rapazes andavam na escola de baixo, que não se juntavam com as raparigas, e a gente andava onde é agora a creche que era onde era a nossa escola. A escola das meninas. A gente punha lá o escritinho e púnhamos debaixo de uma pedrinha. Depois eles vinham da escola de baixo, agarravam o escritinho e liam: Olha ela vem à fonte, às tantas horas. Levávamos horas e horas e horas na fonte, a carregar a fonte. Às vezes partiam-nos os cântaros, porque eles eram pedrada para cá, pedrada para lá, porque não queriam a gente à fonte, depois eles tinham ciúmes da gente. Eu namorei muitos rapazes. Depois eles tinham ciúmes uns dos outros e eu é que a havia de namorar, e tu é que a fostes namorar, tu é que foste pôr o escrito, tu é que não foste lá pôr o escrito. Até que partiam os cântaros à gente. A gente chegávamos a casa sem água nem cântaros. A minha juventude foi muito linda.

MAB:
E a mini saia, como é que tinham conhecimento dessas modas novas?

JC:
Olhe eu era das que usava sempre mini saia.

MAB:
Pois, mas onde é

JC:
Gostava.

MAB:
Sim, mas onde é que via lá a moda da mini saia?

JC:
Não havia lá moda nenhuma, eu gostava de mini saia, punha a mini saia e acabou.

MAB:
Mas viam na televisão, nas revistas?

JC:
A gente lá tinha televisão

MAB:
Mas então como é que

JC:
Mas eu usava sempre mini saia. Quer dizer de pequenina comecei a usar o fato curtinho e não deixei de usar, pronto. Ainda andava nos tapetes e ainda usava mini saia, porque desde de pequenina eu era a mais pequenina, era a mais mimosa. As minhas irmãs, tinha uma irmã que sabia coser muito bem, como a minha ti Bia, cara linda, que era uma bela costureira. E ela fazia os fatinhos para a gente, ela é que cosia os fatinhos para a gente. E depois eu como era a mais pequenina, ela fazia as sainhas curtinhas, eu era muito magrinha, eu casei pesava 46 quilos, o meu vestido de noiva serve assim metade.
E então usei sempre mini saia. Depois eu era sempre muito alegre, cantava muito e dançava muito, ainda hoje danço e canto. E já não consigo cantar mais, porque tenho problemas, mas sempre gostei muito, e elas meteram-me Maria Papoila nessa altura, em pequenina, meteram-se Maria Papoila, só me conhecem por Maria Papoila. Em todo o lado sou a Maria Papoila.

MAB:
Chegou a trabalhar nalguma cooperativa?

JC:
Sim, sim senhora. Trabalhei na cooperativa da Oleirita, que pertenciam os senhores a Santana é que comandavam aquela cooperativa.

MAB:
Santana do campo?

JC:
Santana do Campo. Trabalhei lá cinco anos, no tomate, no arroz, mas na altura da Reforma Agrária, quando foi isso dos tratores eu não trabalhava no campo. Mas apoiava, trabalhava nos tapetes, mas eu ia a todo o lado. Saltava para cima das rulotes e ia com os trabalhadores

MAB:
Quando começaram as entregas aos proprietários?

JC:
Exatamente. Eu ia a todo o lado.

MAB:
Ia às entregas?

JC:
Ia às entregas, ia às entregas sem querermos entregar.

MAB:
Exato, pois.

JC:
Íamos às entregas sem querermos entregar, que era quando eles nos batiam e corriam atrás da gente, e com os cavalos, que fizeram isso a esse senhor, porque queriam as terras e depois mandavam para lá a GNR, para baterem nas pessoas, nos trabalhadores. Mas eu, fosse manifestações em Évora de tratadores, que fosse o 1 de Maio que se fazia no campo, lembro-me tão bem

MAB:
No Alto dos Cucos

JC:
Exatamente, eu ia também. O Avante que quando começou era uma coisa em barro, que se chovia aquilo era barro até aos joelhos. Eu fomos sempre, os meus pais, os meus irmãos, os meus cunhados. Tudo, ia toda a gente. Eu até hoje ainda vou ao Avante, é a festa que eu mais adoro e deus queira que ele nunca acabe.

MAB:
Há pouco falou aí nesse episódio, que era quando as pessoas iam às manifestações, quando os trabalhadores

JC:
Sim, sim

MAB:
Conte-nos essa história

JC:
Íamos a Évora

MAB:
Os trabalhadores rurais?

JC:
Os trabalhadores rurais

MAB:
Das cooperativas?

JC:
Sim. Íamos com as rulotes, com os tratores cheios de pessoas manifestarem-se ao pé dos ministérios, ao pé daquilo tudo. Os senhores da função pública e os senhores bancários, havia aquelas janelas altas onde eles estavam e de lá ofendiam a gente de tudo, mandavam rolos de papel cá para baixo para cima da gente. E saiam daqui malandros que vocês não fazem nada, e saiam daqui malandros que vocês só querem é dinheiro, e saiam daqui malandros que vocês só querem é terras para não as cultivarem. Quem não as cultivavam eram eles, eles. Porque nós temos um Portugal rico em terras e eles são pagos para não cultivarem. Eles são pagos

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JC:
Desde que esteve lá o senhor Cavaco Silva que começou a pagar aos senhores ricos para não cultivarem as terras. Ele é que começou a pagar. Desde aí que as terras começaram a deixar de serem cultivadas. A senhora vê uma terra cultivada aonde? Onde não veja uma amendoeira, onde não veja um abrunheiro, tudo coisas que levam muita água.
Cereais. A gente tinha tanques de arroz que eram herdades, cheiinhas de tanques de arroz, onde nós a ceifávamos, onde nós tínhamos uma máquina na fábrica do tomate que secava o arroz, para depois ser empacotado. Agora vem tudo de fora. Porque Portugal tem uma terra tão rica e ninguém a cultiva. Acabou tudo. E vai acabando tudo a pouco e pouco. Porquê? Por causa dos grandes senhores, dos grandes ladrões que a gente tem, no nosso país.

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JC:
A Associação de Reformados das Ilhas foi fundada só uma casinha, por um senhor que já morreu há muitos anos, que lhe chamavam, que lhe davam um nome, mas ele não era, mas era sempre o senhor Chinês

MAB:
E foi antes ou foi depois do 25 de Abril?

JC:
Depois do 25 de Abril. A casa fez este ano 41 anos. Fez este ano 41 anos. E então, foi feita por esse senhor e por mais pessoas, sem ganharem um tostão, construíram aquela casa toda, hoje um fazia uma porta, amanhã outro fazia uma janela, noutro outro levantava um bocadinho de parede, no outro o outro comprava uma cadeira e assim se foi construindo aquela casa. Depois esse senhor formou uma comissão, com outros senhores, esteve lá muitos anos, com outros senhores numa comissão.
Depois o senhor morreu entrou para lá outro senhor, que esteve lá, esteve lá à volta para aí de uns 30 anos ou mais, a comandar aquilo, a ser o presidente daquilo, porque era nessa altura, que não fazia mala não mudarem, de anos a anos. Então ele esteve lá esse tempo todo, eu fui você presidente desse senhor, fui presidente do conselho fiscal, fui presidente da mesa da assembleia, fui vice-presidente da mesa da assembleia. Depois o senhor teve um AVC, adoeceu ao fim de muitos tempos de lá estar, ao fim de muitos anos, teve um AVC, já era muito velhote, oitenta e tal anos, para aí 85 ou 86, teve um AVC, teve de deixar aquilo. Eu era vice-presidente, tive de me chegar à frente, porque o presidente estava doente.
Daí acabei o mandato dele como vice-presidente, houve eleições, houve outra comissão, entraram muitas colegas minhas

MAB:
Mulheres?

JC:
Mulheres, que se reformaram, homens poucos ou nenhuns. É quase tudo mulheres, quase tudo mulheres, há lá bem poucos homens. Eu não sei, se houver lá dois ou três homens é muito. Mais não há, de resto é tudo mulheres. Eu sou a presidente, trabalho junto a uma rapariga que é muito minha amiga e é o meu braço direito também, porque me ajuda em tudo, que é, ela não é presidente, mas é do conselho fiscal.
Ela é que paga as contas, ela é que faz as contas do dinheiro, ela é dirige o dinheiro. Eu não mexo em nada disso.

MAB:
E a associação de reformados o que é que fazem?

JC:
O que é que fazemos? Temos muita atividade. Temos o almoço do natal, que é enorme, temos o dia da mulher, que é enorme. Temos o dia da Mulher, temos as marchas que também fazem parte, temos a sardinhada também, temos muita coisa. Temos muita festa. Agora amanhã vou fazer filhoses para o carnaval. Todo o ano, temos ginástica, natação, Vidas Partilhadas. Muita atividade.
MAB:
E o teatro?

JC:
O teatro é uma coisa posta pela câmara que nos dá apoio, já fiz um o ano passado

MAB:
Que também está ligado à associação?

JC:
Que está ligado à associação. E então todas as que fazem parte das reformadas, as seniores entra quase tudo, no teatro, na natação, nas Vidas Partilhadas, entra quase tudo, ali da aldeia.

MO:
O que são as vidas partilhadas?

JC:
As Vidas Partilhadas é muito giro. As Vidas Partilhadas é, não é contar da nossa vida, há muita coisa que contamos da nossa vida, da nossa infância, mas as pessoas dizem às vezes assim: Vou agora para as Vidas Partilhadas contar tudo da minha vida. Não é. É contar o que foi a vida do antigamente, olhe é contar como é que nasceu jesus, é contar como é que era a vida da Amália, é contar os filmes da Amália, é contar a vida de muitos artistas, que nós não sabíamos o que era e ficamos a saber porque elas contam à gente e pelos filmes que nos dão, chegamos a estar duas horas, a ver a vida delas naquele filme. É isso que é as Vidas Partilhadas. Não é contarmos as coisas da nossa vida, da nossa casa, porque as pessoas dizem. Vou agora para as Vidas Partilhadas contar coisas que não interessam nada. Nas Vidas Partilhadas aprende-se muita coisa e faz-se muita coisa, como jogos, muitas coisas.

MO:
Para além da associação de reformados que outras coisas houve aqui nas Ilhas, que fossem assim fruto de trabalho voluntário, associativo, que outras coisas é que houve, muitas vezes trabalho gratuito a maior parte das vezes?

JC:
Antes do 25 de Abril?

MAB:
Depois

JC:
Olhe muita coisa. Olhe a matança do porco foi no sábado que eu faço parte, eu é que faço a comida toda, é que faço rechina é que faço tudo, nas vésperas vou temperar as carnes é que faço e no próprio dia comem.
A creche também faz, também faz, os caçadores

MAB:
A creche. Como é que nasceu a creche aqui nas Ilhas? Como é que a creche foi fundada?

JC:
A creche foi fundada por o senhor Jerónimo, que era o presidente da câmara. Jerónimo Lóios.

MAB:
Mas foi iniciativa camarária?

JC:
Mais ou menos. Foi uma ajuda. Mas quem deu o terreno foi a senhora Balbina Piteira, o senhor Augusto Piteira, que lhe morreu o filho no ultramar, mataram-no, não morreu, mataram-no no Ultramar. Então ele deu uma parte do terreno, da quinta dele, para construírem ali uma creche para os meninos. Construíram essa creche com a ajuda da câmara, com o Jerónimo Lóios, foi indo aos pouquinhos, pequenina, foi aumentando

MAB:
E como é que foi aumentando? As pessoas fizeram lá trabalho voluntário ou não?

JC:
Para fazerem de inicio foi trabalho voluntário. Trabalho voluntário como foi a ceifeira. Foi trabalho voluntário tudo. A creche quando começou de inicio com uma coisa pequenina foi trabalho voluntario das pessoas todas que tinham os filhos e não tinham onde os meter e fizeram o esforço para fazer aquilo, para lá os meter. Começou pequenina, agora já tem a ajuda da segurança social, já é uma IPSS, como a nossa e então daí foi crescendo, crescendo, crescendo, já lá têm as crianças todas de Arraiolos das aldeias, de todo o lado, tem muita criança, muita criança.

MAB:
Foi uma iniciativa da população?

JC:
Foi uma iniciativa sim, com o apoio da câmara, do senhor Jerónimo Lóios que apoiou muito, que era íntimo amigo do filho do senhor que deu o terreno. Do senhor Augusto Piteira. Era ele, era o Páscoa, a Carolina e o senhor Jerónimo. Eram eles, muito amigos.

MAB:
E o que é que a ceifeira? E como é que a ceifeira nasceu?

JC:
A ceifeira nasceu. Os supermercados pequenos que havia nas Ilhas, que se chamava o senhor Júlio Caixeiro, que se aproveitava dos pobres, eu tenho de já dizer, eu sou assim. Que se aproveitava dos pobres, a minha mãe comprava um pão e ele assentava dois. O meu pai ganhava as comedias, que lhe chamavam, de setembro a setembro. Quer dizer que quando recebia o dinheiro de setembro a setembro, não chegava para pagarem, ficavam logo a dever, porque ele no lugar de por um pão que a gente levava, punha dois. No lugar de por um quilo de açúcar punha dois. Porque assim é que eles enriqueceram. Porque eles nunca trabalharam, porque eles nunca trabalharam e eram ricos tinha de lhes vir de algum lado. Porque nós fartamo-nos de trabalhar e nunca enriquecemos e eles enriqueciam sem trabalho, tinha de vir de algum lado. Faziam assim.
E era o senhor Juncal, que lhe chamavam cá na outra ilha, que é onde eu moro, na Ilha da Boavista. Depois deu-se o 25 de Abril, quando se deu o 25 de Abril eles começaram a entrar na reforma, velhotes. O senhor lá das minhas Ilhas, tinha só uma filha, não quis saber daquilo para nada, que era professora. E ele fechou. E depois o de cima, tinha também filhos, depois como se deu o 25 de Abril e estavam sempre a chamar-lhe nomes e és um fascista e não sei quê. E ele passou-se e já estava também idoso e fechou também aquilo.

MAB:
Fechou a loja?

JC:
Tinha um talho, tinha um talho, que era também onde a gente ia à carne e uma mercearia. A minha mãe trabalhou uma vida inteira para ele, a encher carne para esse talho. Fecharam.
Depois não havia nada, houve a iniciativa do senhor Augusto Piteira, dar esse terreno que é onde é a ceifeira, que também era dele, foi feita uma ceifeira, que lhe puseram esse nome da ceifeira, mas era um supermercado enorme. Ali comprávamos tudo. Era talho, era gás, porque nessa altura já havia gás, era gás, porque deixou de haver petróleo, passou a haver gás. Era gás, era carne, era fruta, era tudo, a gente comprava naquela ceifeira. Tinha uma refeição como tem a refeição dos reformados. A comissão foi acabando, uns foram morrendo, os novos já se sabe como é que é, não querem responsabilidades, não querem entrar, aquilo chegou ao ponto que as pessoas tiveram que arrendar aquilo. A todas as pessoas que lá estavam, que arrendaram aquilo, não pagavam a renda, foram montar cafés, outros abalaram porque não queriam. Aquilo acabou por fechar

MAB:
Mas então a ceifeira era uma cooperativa?

JC:
Era uma cooperativa

MAB:
De consumo

JC:
De consumo. Feita pelo povo, tanto que não a podem, não puderam vender a ninguém, porque aquilo era do povo. Foi doada à junta de freguesia para a junta de freguesia

MVI_6560
JC:
Fazer lá o que nós queríamos, porque não era ela que ia escolher, porque não foi a junta de freguesia que a fez. Nós escolhemos um centro comunitário. Já está com a planta feita e o projeto há dez anos. Acho eu que está para ser começado brevemente, brevemente para um centro comunitário.

MO:
E o que vai ter esse centro comunitário?

JC:
Esse centro comunitário acho eu que é para, pessoas que queiram lá ir, idosos que queriam lá ir passar um bocado, pessoas que não tenham onde ir tomar banho, que tenham onde ir tomar banho. A gente não sabe ainda bem se irá também pessoas que não são capazes de fazer comida fazerem, é um centro comunitário para apoio de pessoas que não possam fazer nada. Penso eu que seja assim, porque eu ainda não vi o projeto, ainda não vimos nada, há dez anos que estamos à espera. E estamos assim.

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