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- 2024-03-18 (Creation)
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Documento simples
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94MB; suporte digital (mp4)
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Fundado em 1994 , o CIDEHUS começou por designar-se “Centro de Investigação e Desenvolvimento em Ciências Humanas e Sociais”. A sua área disciplinar nuclear era então a Sociologia.
A sua atividade organizava-se em quatro grandes campos:
1) Sociologia do Desenvolvimento;
2) História da Europa do Sul e do Mediterrâneo;
3) Educação e formação profissional;
4) Linguística Geral.
Em 2001 , quando passou a ter na História a sua disciplina nuclear , mudou de designação para Centro Interdisciplinar de História, Culturas e Sociedades . Manteve a mesma sigla (CIDEHUS) e organizou-se em seis linhas:
1) O Sul: dinâmicas sociais e políticas
2) O Sul: culturas, discursos e representações
3) O Sul: património edificado, cultura material e arqueologia
4) Portugal e a Europa
5) Portugal e o Mediterrâneo
6) Portugal e os espaços de presença lusófona
Em 2007 , o CIDEHUS fixou a sua atenção nas problemáticas do Sul , condensando as anteriores linhas em três grupos:
RG1: O Sul e o Mediterrâneo: dinâmicas sociais e culturais
RG2: Património, Cultura Material e Arqueologia no Sul da Europa e no Mediterrâneo
RG3. Bibliotecas, Literacias e Informação no Sul
O programa nuclear foi de novo reajustado em finais de 2013 , configurando-se em torno de: «História, património e mudanças societais: um laboratório do Sul», ramificando-se em duas linhas temáticas, subdivididas em grupos – “L1: Mudanças societais” e “L2: Património e diversidade cultural” – e num grupo de articulação – Literacias e património textual.
O CIDEHUS assumiu então o modelo de laboratório para salientar o seu dinamismo e o seu interesse no conhecimento aplicado .
Em 2018 , o CIDEHUS sofreu uma nova reorganização, passando a dividir-se em apenas dois grupos:
G1 – Mudanças societais
G2 – Património, Literacias e Diversidade cultural.
Com esta alteração, o CIDEHUS pretende reforçar a coesão, estimular o trabalho colaborativo e potenciar as abordagens interdisciplinares.
No passado recente do CIDEHUS, destacam-se ainda os seguintes marcos institucionais:
- 2013 – Criação da Cátedra UNESCO
- 2014 – Criação do Laboratório de Demografia (DemoLab)
- 2016 – Lançamento do CIDEHUS Digital
- 2017 – Criação Laboratório de Turismo (Tourism Creative Lab).
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Composto pela gravação audiovisual da entrevista e a respetiva transcrição.
Transcrição Mariana dos Santos
Entrevistada: Mariana dos Santos (MS)
Entrevistadoras: Maria Ana Bernardo (MAB), Manuela Oliveira (MO)
Localidade: São Manços
Data: 18 de março de 2024
Transcrição: Diana Henriques (03/07/2024)
MVI_6612
MS:
Sou Mariana da Graça dos Santos e nasci em A do Pinto, concelho de Serpa.
MVI_6613
MAB:
A do Pinto era mesmo um lugar ou um monte?
MS:
É uma freguesia
MAB:
É que podia ter acontecido nascer num monte
MS:
Antigamente era Montes, depois ficou mais grande, como todo o lado, em A do Pinto.
MAB:
Conte-nos como foi. Nasceu em A do Pinto
MS:
Depois foi o meu pai, que deus tem, andava nos montes trabalhando com o gado e eu aí andava com ele e com os meus irmãos. Depois aí ao fim de uns sete anos vieram para casa e foi nessa altura que eu fui à escola, já a partir dos sete anos. Então, fiz a terceira classe e depois foi começar a trabalhar, logo. Com a minha mãe à monda, custava muito os dias, porque chovia à monda, mas lá passávamos os dias. Depois acabou a monda e era outros trabalhos, era a apanha dos grãos, era a ceifa, comecei à ceifa.
Depois juntei-me com o meu marido, pronto, já tinha aquela.
MAB:
E tinha trabalho todo o ano ou só tinha trabalho de vez em quando?
MS:
Não, não, não, não
MAB:
Como é que era?
MS:
Tínhamos meses que não se trabalhava. Mais no verão
MAB:
E como é que os seus pais faziam, quando não trabalhavam?
MS:
O meu pai, o meu pai trabalhava sempre. Agora a minha mãe e eu é que não trabalhávamos. Então era só o ordenado do meu pai. Para tudo. E depois eu juntei-me com o meu marido e ele também trabalhava assim nos montes. Depois nasceu o meu filho e depois ele foi para outro monte. Neste tempo era só montes, agora já não há nada para ninguém.
MAB:
Trabalhavam nos montes
MS:
Nos montes, pois. Fui para um monte com ele, que ele era pequenino. Ainda lá tivemos uma malhada de porcos, coisas de gente pobre. Depois daquela temporada viemos embora, foi para outro mais longe do povo. Só penar. Isto é só penar, foi só penar e continua. Cada um de sua maneira.
MAB:
E teve o seu primeiro filho em casa? Teve os seus filhos em casa ou como é que foi?
MS:
O meu filho foi em casa, a parteira, foi lá a parteira e nasceu em casa. E ela nasceu no hospital, que estava num monte perto de Serpa. Então foram nascer a Serpa. E pronto olhe.
MAB:
Então e a senhora quando era jovem e começou a namorar o seu marido, como é que isso aconteceu? Quanto tempo é que namoraram e como é que chegaram a casar?
MS:
Olhe namoramos pouco tempo.
MAB:
Ele vivia naquela zona, como é que era? Conte lá a história
MS:
Namoramos pouco tempo. Namoramos pouco tempo. E depois juntamo-nos não é.
MAB:
Como é que o conheceu?
MS:
Olhe ele andava ali, ele tinha uma bicicleta, andava ali na estrada, eu morava perto da estrada nova, então em coiso. Ele ia lá fazer os mandados ao povo, porque ele morava no Montinho, mesmo no Montinho, chama-se mesmo Montinho, fora do povo. Um bocadinho, como daqui além ao merceeiro. E então víamo-nos assim.
MAB:
Via-o quando ele passava de bicicleta
MS:
Sim. Havia mais moços que me queriam, mas eu pendi para este.
MAB:
Gostava da bicicleta também, ou não?
MS:
Não. Não foi por isso
MAB:
A bicicleta não tem influência?
MS:
Não, não gostava. Não achava, não enchia, nem despejava. Mas era assim. Depois eu engravidei, tive de me juntar, não é.
MAB:
Então quando ficou grávida ainda namorava?
MS:
Sim, sim, sim. Depois tive de me juntar, com muita pena do que fiz. Hoje penso
MAB:
E os seus pais o que é que acharam disso? Dessa situação?
MS:
A minha mãe coitada, o meu pai estava num monte, no tempo à ceifa na debulha das máquinas, que ele fazia essa debulha. E a minha mãe que deus tem, parece que a estou vendo, foi lá ao pé dele a dizer que eu que me tinha juntado. Minha querida mãe e meu querido pai.
MAB:
E juntou-se e não se casou porquê?
MS:
Porque não houve oportunidade logo. E depois quando o meu filho estava para nascer é que a gente se casou.
MAB:
E não se casaram nessa altura porquê?
MS:
Porque não havia possibilidades de se casarmos.
MAB:
Mas quando o filho nasceu acharam que se deviam casar porquê?
MS:
Sim, sim, sim. Então, porque sei lá, olhe. Porque era um dever a gente casar-se, não é.
MAB:
E nessa altura decidiram casar-se
MS:
Sim, sim
MO:
E foram logo viver para uma casa separados ou continuaram a viver com a família?
MS:
Fomos logo viver para uma casa. Fomos logo nessa noite em que juntamos
MAB:
E o que é que tinham de enxoval?
MS:
Nada.
MAB:
E como é que já tinham a casa?
MS:
O meu marido vivia sozinho. Vivia sozinho, pronto. Vivia numa casa que era da avó. Ele estava com a avó, a avó morreu e ele ficou lá na casa. Duas casitas só. E então fomos para lá
MAB:
E era casa dele?
MS:
Não, era de um tio dele que era, filho da avó, que calhou a ele. Ao filho da avó.
MAB:
Então, portanto, tiveram essa casa para irem morar
MS:
Sim, sim.
MAB:
E o que é que tinham, enfim, das coisas da casa, de mobília
MS:
Ó, minha senhora. Ele já tinha uma cama, pois claro, não ia dormir no chão. Já tinha uma cama, tinha uma mala e depois é que fomos comprando as coisas aos poucos. Fui à Aldeia Nova de S. Bento que é cinco léguas, cinco quilómetros ou o que é, comprar um coiso para a bacia, como é que se chama?
MAB:
Um lavatório?
MS:
Um lavatório. Comprei uma banquinha, que não tinha e fui comprando essas coisas assim. E a loiça ia-se comprando. Ele tinha uma mesa para comermos, cadeiras para sentarmos e olhe.
MAB:
E fogão? Como é que
MS:
O Fogão era a petróleo nessa altura
MAB:
Era um fogão a petróleo.
MO:
E um lume de chão?
MS:
E um lume no chão, tinha também. Mas eu não fazia lá lume no chão.
MAB:
E mataram um porco logo, como é que foi essa questão?
MS:
Não, não, não.
MAB:
Porque matar o porco era muito importante
MS:
Sim, sim. Já mais tarde é que a gente matou.
MAB:
Quando acabaram de se casar ainda não tinham condições para isso
MS:
Não, não.
MAB:
E trabalhavam os dois?
MS:
Não, não. Porque quando o meu menino era pequenino só trabalhava ele
MAB:
Portanto, a senhora juntou-se
MS:
Sim
MAB:
Mas depois como estava grávida, e quando nasceu o bebé
MS:
Sim
MAB:
Não trabalhava. Só o seu marido.
MO:
A partir de quanto tempo é que tinha o seu menino quando tinha
MS:
Depois tinha a minha mãe, que deus tem, ela olhava por ele, que ele já era grandinho e eu ia a trabalhar. O trabalho que havia, à monda, à ceifa, azeitonas.
MAB:
E aquilo que ganhavam dava para comer?
MS:
Dava só para o comer, para o comer. O meu marido para comprar umas botas, umas botas ou uma roupa, já tínhamos de ficar devendo na mercearia. E era assim.
MAB:
E compravam todas as semanas, era ao mês. Ficavam a dever ou como era?
MS:
Era à semana. Comprávamos às semanas, porque nesse tempo recebíamos às semanas. Agora é que é aos meses.
MAB:
Sim, e quando recebiam o que é que faziam?
MS:
Olhe pagávamos a aquém devíamos e o resto, em vez de se comprar meio litro de azeite, comprava-se um quarto. Dez tostões de açúcar, dez tostões de café. Isto era só assim. Um feijão, um quarto, grãos um quarto, era só isso. Era dar para a semana, depois recebíamos outra semana e comprávamos outras coisas. Agora é só aos meses
MAB:
E a maior parte das pessoas, do lugar onde viviam, da aldeia viviam como a senhora ou havia gente a viver melhor, ou, como é que era?
MS:
Lá na minha terra era assim. Era tudo assim, mais ou menos.
MAB:
Mas as pessoas viviam todas mais ou menos assim com dificuldades, não é?
MS:
Sim, sim, sim,
MAB:
E os dias de trabalho, a senhora há pouco estava a dizer que eram dias de trabalho muito compridos. Como é que era os dias de trabalho?
MS:
Compridos. Muito maus de passar.
MAB:
Duravam muito tempo?
MS:
Eram muito maus de passar, porque era do nascer ao pôr. Fossem grandes os dias, ou fossem pequenos, era do nascer ao pôr.
MAB:
Trabalhavam?
MS:
Sim
MAB:
E como é que era a hora do lobo, conte lá.
MS:
Então, porque quando estava ali o sol, já a última parte do sol, já tinha metido metade, a última parte, vamos embora, é o lobo.
MAB:
Que era a hora do lobo?
MS:
Que era a hora do lobo para irmos embora. Então irrigávamos todos à ceifa e abalava tudo, chegava tudo para as suas casas. Muito longe do trabalho, muito longe das casas.
MAB:
Moravam e faziam o caminho
MS:
A pé
MAB:
Faziam o caminho a pé.
MS:
Tínhamos de ir sabe, para lá tínhamos de ir cedo para chegarmos a horas e para cá era aquela hora. Chegávamos tarde a casa, já com o escuro
MAB:
A senhora não se lembra depois quando começaram a só trabalhar as oito horas. Não tem ideia de como isso aconteceu, não é. Porque a dada altura deixaram de trabalhar um dia inteiro, começaram a trabalhar as oito horas. Não tem memória nenhuma disso ter acontecido, se a senhora andava a trabalhar ou não?
MS:
Mais ou menos, mais ou menos. Andavam à apanha das, andavam apanhando as herdades, a reforma agrária
MAB:
Não, ainda antes
MS:
Não, não
MAB:
Quando foi das oito horas
MS:
Não
MAB:
Porque quando foi ainda antes da reforma agrária as pessoas ainda só trabalhavam oito horas.
MS:
Pois, mas é que eu sou assim. Eu como andava nos montes com o meu marido, porque eu quando andava com ele, eu não trabalhava. Lá nos montes, o menino ainda era pequenino ainda, não podia trabalhar porque não tinha ninguém com quem o deixar. E não, não assisti a isso no povo. Às horas
MAB:
O seu marido trabalhava nos montes, mas ele fazia o quê? Andava a trabalhar no campo ou era trabalhava com gado?
MS:
Gado.
MAB:
O seu marido trabalhava com gado?
MS:
Tem trabalhado sempre. Nesse tempo era porcos. Atrás dos porcos e agora tem sido vacas. Então eu não assisti a isso dos horários.
MVI_6614
MS:
Mas sei, sei. Isso agora é das oito horas.
MAB:
Sim, sim. E depois como é que veio para S. Manços?
MO:
E antes disso, o 25 de Abril apanhou-o aonde? Lá ainda?
MS:
No monte.
MO:
Conte lá
MAB:
Foi lá ainda
MS:
Foi lá ainda no monte. Um monte chamado Povarinhos, com vacas já. Já com vacas
MAB:
O seu marido?
MS:
De ordenha, vacas de ordenha. Então eu tinha um rádio, estava em casa e o rádio tocava só aquela coisa do 25 de Abril, daquela sançúria. Ai mãe da minha alma o que é que será que aconteceu para lá que está tudo assim. Eu não soube o que era, depois é que fiquei sabendo.
MAB:
Mas tentou falar com alguém na altura para perceber
MS:
Não, a gente estávamos sozinhos no monte, então quando viemos ao povo é que disseram que era o 25 de Abril.
MAB:
E o que é que ficou a aperceber nessa altura, que era o 25 de Abril?
MS:
Olhe fiquei sabendo, que havia muita injustiça nesse tempo, antes do 25 de Abril, soltaram as prisões, abriram as prisões, soltaram os presos. Fora os que morreram, não é e que era bom.
MAB:
E assim logo de imediato, o que é que a senhora notou que tinha notado? Assim ao fim de uns meses, uns dias. Notou assim alguma diferença ou não?
MS:
Não notei, acho que não notei. Porque eu estava sempre sozinha, não tinha televisão ainda nessa altura. Agora apresenta tudo na televisão, mas nessa altura não.
MAB:
Ia ouvindo no rádio?
MS:
Ouvia no rádio
MAB:
E depois ainda continuaram a trabalhar nessa herdade?
MS:
Sim, sim. E depois viemos para cá, para São Manços
MAB:
Sim
MS:
À busca do trabalho também. Que aquilo depois foi para o desemprego, o meu marido. Foi para o desemprego, acabou o desemprego e veio para cá. Tinha cá uma irmã e ela arranjou-lhe cá trabalho. E então, para vacas também
MAB:
Para guardar
MS:
De ordenha também
MAB:
De ordenha
MS:
De ordenha também. E então, olhe cá estamos há trinta e tal anos. Deixei lá a minha mãe e o meu filho, que ele não quis vir com a gente e pronto
MAB:
E vieram atrás do trabalho
MS:
E viemos atrás do trabalho
MAB:
E trabalharam nalguma cooperativa ou não, nunca trabalharam em cooperativas?
MS:
Não. Era só o patrão
MAB:
Trabalharam sempre para o patrão
MS:
Sim
MAB:
E trabalharam muitos anos para o mesmo patrão ou
MS:
Nesse patrão foi um ano e tal. Agora viemos para um outro, também com vacas, que aí mãe. Vacas
MAB:
São trabalhosas
MS:
Pois o trabalho era dele, coitado tinha de ordenhar as vacas. Agora neste monte já havia à mão coisa
MAB:
Ordenha elétrica
MS:
Sim. Lá no outro monte era à mão.
MAB:
E a senhora também ordenhava ou não?
MS:
Não, não. Era só ele mesmo. Ajudava-o a pôr os fardos, a pôr os fardos no trator e, pronto, estava lá no monte. Olhava pelo monte, fazia as pinturas no monte, ganhava ali. Ali também ganhava e, então, no outro lá não ganhava, e então neste como ganhávamos os dois viemos para este.
MAB:
Claro, claro. E os seus filhos vieram também ou como é que foi?
MS:
As minha filhas vieram. Ele não, ficou lá. E as minhas filhas também vieram, depois elas casaram-se. A minha moça a que está em Évora casou-se, a outra também. O marido dela morreu de desastre, da minha Maria, ali ao pé de Pinheiros e é assim. E agora
MAB:
E quando estava no monte e as suas filhas ainda eram pequenas?
MS:
Não, já eram grandes.
MAB:
Já eram grandes
MS:
Já
MAB:
Então, elas foram à escola aqui em S. Manços ou em A do Pinto?
MS:
Em A do Pinto
MAB:
Foi aí que frequentaram a escola?
MS:
Sim
MAB:
Mas a senhora vivia no monte, como é que fizeram para os sus filhos irem à escola?
MS:
No monte, mas era perto. Era perto. Iam a pé e vinham. Era perto.
MAB:
Mas então elas para se deslocarem à escola, os seus filhos faziam a pé?
MS:
Sim, sim. Era perto. Na do Pinto
MAB:
Sim, sim, sim
MS:
E então,
MO:
E aqui, aqui já elas tinham passado a escola?
MS:
Sim, sim. E aqui iam trabalhar a Évora. Nos supermercados e foram assim. Até que se casaram e cada uma o para seu lado.
MAB:
E elas nunca passaram em estudar? E a senhora nunca pensou em mandá-las estudar?
MS:
Não, não
MAB:
Porquê?
MS:
Não havia possibilidades. E elas também não tinham boa cabeça. E é assim a vida.
MAB:
E o que é que a senhora acha que melhorou ao longo dos tempos, depois do 25 de Abril, acha que a vida melhorou ou não? A sua vida, mas também a vida das pessoas à sua volta, não é, em geral
MS:
Sim, sim, sim, sim. Eu acho que sim, que mudou para melhorar. Porque já havia subsídio para as crianças, já havia subsídio para os velhos e antes não havia nada dessas coisas. Foi uma grande ajuda, tem sido não é. Ainda hoje.
MAB:
E o subsídio de desemprego?
MS:
E o subsídio de desemprego também. Também ainda estive no subsídio de desemprego, também, foi muito bom. Mas isto acaba tudo.
MAB:
Até agora ainda não acabou
MS:
Pois não, mas há mais gente, mais tempo
MAB:
O que é que a senhora quer dizer com isso?
MS:
Que se leva mais tempo para a gente ajuntar os dias para se meter no desemprego
MAB:
Já percebi
MS:
Sim, pois.
MAB:
E a senhora agora vive numa casa que é sua?
MS:
[indicação que sim com a cabeça]
MAB:
Como é que a senhora construiu ou como é que resolveu comprar a sua casa?
MS:
Naquele monte das vacas. Tinha uma coisinha, uma coisinha e pedi o resto à Caixa
MAB:
Para?
MS:
Para comprar a casa
MAB:
E isso foi já depois?
MS:
Já foi aqui, pois. Já foi desde que estou aqui. Depois viemos para cá. Depois viemos para cá. Depois o meu marido reformou-se e então viemos também embora para aqui. Para a nossa casa.
MAB:
Viveram na herdade até à reforma do seu marido?
MS:
Sim, sim, sim.
MO:
E as suas filhas viviam também lá no monte?
MS:
Sim
MO:
Portanto, como é que elas se relacionavam aqui com a juventude da aldeia?
MS:
Não, não tiveram aqui. Depois lá se casaram. E agora esta é que veio para aqui, que está assim doente
MO:
Sim, mas já havia outro relacionamento, as raparigas já tiveram outra liberdade do que a que teve a senhora ou não?
MS:
Não, não, não, não. A minha moça a outra, que trabalhava em Évora. Tinha que vir na camioneta, e ir na camioneta, que era longe. É longe. E então era assim.
MO:
Mas depois em relação, a senhora frequentava cafés quando era jovem?
MS:
Não, não havia lá cafés.
MO:
Nem havia
MAB:
E se
MS:
Agora também não.
MAB:
Nem à pastelaria, não vai à pastelaria?
MO:
Não vai tomar um cafezinho?
MS:
Há cafés que ainda não entrei aqui, há trinta anos que aqui estou, veja lá.
MAB:
Porquê?
MS:
Porque eu não sou de andar assim. E à uma, eu não gosto do café.
MAB:
Não gosta de café. Mas de um bolito se calhar gosta?
MS:
Não.
MAB:
Não gosta de bolos?
MS:
A bolos gosto. O que não posso é comer agora que tenho diabetes.
MAB:
Nem os vai comprar à pastelaria?
MS:
Vou comprar. Eu sempre como um ou dois, não é, de vez em quando, mas não posso comer muito. Que eu gosto deles, mas não posso.
MAB:
Então não vai à pastelaria beber um chá, tomar e sentar-se
MO:
E quem são as suas amigas, tem assim um grupo com quem se dão?
MS:
As minhas vizinhas.
MO:
São as vizinhas, são as vizinhas. E às vezes vêm cá para fora, trazem a cadeirinha no verão
MS:
À noite, à noite, ao serão, no verão, no verão.
MO:
E aquilo ali
MS:
Fala-se de tudo
MAB:
E as suas amigas
MO:
Vizinhas, vizinhas
MAB:
As suas vizinhas, também não vão ao café, não saem?
MS:
Uma não vai, as outras vão. Mas elas vão, aquela senhora que é da banda de cá da minha porta vai. Vai
MAB:
Porque acham que as mulheres não devem ir?
MS:
Eu não, eu falo por mim
MAB:
Sim, diga
MS:
Eu não vou, eu nunca fui esse hábito
MAB:
Habituada
MS:
Habituada, a andar assim. Lá não havia cafés, era só vendas
MAB:
Lá em A do Pinto?
MS:
Era só vendas, agora chamam-se cafés e essas coisas. E então, nunca. Mesmo aqui às vezes tenho ido a Évora, com pessoas que junto na camioneta, isto mesmo perto do meu monte, onde estávamos, conhecidas e vamos ali beber um café. A não vou, não senhora que eu não gosto. Não gosto de café. E não ia. E ela ia.
MAB:
E se fosse o seu marido importava-se ou não?
MS:
Não, acho que não. Ele também não bebe. Não me importava não
MAB:
Mas ele importava-se de a senhora entrar num café ou não?
MS:
Não, não se importava, não senhora.
MAB:
E quando cortou o cabelo, pediu-lhe autorização ou não?
MS:
Não, não pedi
MAB:
E o que é que ele lhe disse?
MS:
Não diz nada, que ele sabe que eu que o corto.
MAB:
A senhora não faz caso dele
MS:
Pois não. Essa parte não, não faço mal nenhum.
MAB:
Boa
MS:
Quero andar asseada. Mas não gosto muito deste cabelo, mas o meu cabelo tem esta tendência de arregaçar aqui, arregaçar aqui
MAB:
Mas fica-lhe bem
MS:
Eu não gosto nada. E então corto-o. Não há muito tempo que o cortei.
MAB:
E calças? Quando é que a senhora começou a pensar em usar calças?
MS:
Quando começaram a aparecer, foi uma das coisas melhores. No verão, no inverno pelo menos andamos aconchegadas
MAB:
E o seu marido também nunca disse nada?
MS:
Não, não. Se eu andasse com a saia curta é que ele dizia
MAB:
Agora de calças não se importa?
MS:
Não
MO:
E as suas filhas já usaram saia curta?
MS:
Não, não
MO:
Também não
MS:
É porque elas não querem, a gente já não manda.
MAB:
Se calhar mandavam
MS:
Sim, mas era um qualquer conselho, se tomassem era bom. Mas não usam, não usaram nunca.
MAB:
Está bem.
MO:
Mas a juventude é diferente ou não da do seu tempo? Conte lá
MS:
Então não é.
MAB:
Em que aspetos?
MS:
Em todo o aspeto. Então vai tudo para os cafés, está tudo até às quinhentas da manhã, vai tudo para os bailes até às quinhentas da manhã, não é.
MAB:
Não sei
MS:
É, é, a gente vê e ouve. E nesse tempo não havia nada dessas coisas. No nosso tempo não havia nada dessas coisas. Não há poucos bailes ou nada, o baile de S. João é que era, fui uma vez ao baile de S. João. Foi. Nunca mais fui a um baile. Até hoje.
MAB:
A sério?
MS:
Era solteira ainda. Quando começar a ver o mundo de outra maneira. Nunca mais fui a um baile.
MO:
E carros?
MS:
E nem vontade tenho
MO:
E carros? Agora os mais novos já vão tendo um carrito. Conte lá
MS:
Sim, sim, sim. Então conte, então foi assim. Vê-se. Há casas que têm três, quatro carros, conforme é os filhos, conforme é o marido e a mulher. Porque faz falta, têm os seus empregos, faz falta, mas é um gastador de dinheiro.
MAB:
E acha que as raparigas agora fazem uma vida mais à vontade?
MS:
Toda à vontade o que a gente ouve e vê, às vezes. Às vezes não se vê sempre, porque têm mais liberdade, e. E fazem o que elas querem e os pais não têm nada a ver. Saindo de ao pé delas, das mães fazem o que elas querem.
MAB:
E a senhora concorda com isso ou não e se não porque é que não concorda. Diga mesmo porque é que não lhe parece bem
MS:
Olhe minha senhora
MAB:
Estou mesmo a falar a sério
MS:
Eu já não sei o que é que parece bem, o que é que parece bem e o que é que parece mal. Eu já não sei, porque cada pessoa é como cada pessoa, e as pessoas é que têm de tomar um bocadinho de juízo, mas há pouco.
MAB:
São só as raparigas que não têm juízo ou são também os rapazes também?
MS:
Também os rapazes, porque as raparigas andam ali à frente deles.
MAB:
Acha que as raparigas têm de ter mais um bocadinho de juízo que os rapazes?
MS:
Sim, um bocadinho. Olhe porque já nada, fazem tudo bem à vontade delas, parece que já nada lhes faz mal. E olhe, é o que há.
MAB:
E isso é mau?
MS:
Olhe é mau
MAB:
Vá diga lá
MS:
É mau ou não é mau. Eu não sei se é mau. Cada um tem de fazer as coisas por si
MAB:
Mas é, é muito diferente do tempo em que foi criada, não é?
MS:
Claro, claro, claro. É muito diferente. Isso é bom as pessoas terem essa liberdade, mas quando há um baile aqui ou além, tudo de carro, abala tudo. E é bom. Para elas. E canseira para os pais. Tanta gente que tem morrido assim. Morreu-me um netinho com 24 anos, foi fazer à cova. Num desastre de carro.
MO:
E o seu genro também?
MS:
Sim. Genro, mas é o da outra. O neto é da outra, que está em Évora.
MO:
Mas morreram os dois de acidente de automóvel?
MS:
Sim. O meu genro foi na mota contra um camião. O camião atravessou-se na estrada foi mesmo ter a ele. E não teve nada, o meu genro é que teve a culpa. Não ficou recebendo nada. É uma injustiça que há nesse mundo.
E o meu netinho, saiu do trabalho à noite, num café e teve um acidente de carro.
MAB:
Infelizmente as coisas são assim às vezes
MO:
Tem mais netos?
MS:
Tenho. Tenho um neto do meu filho e tenho mais duas netas desse que morreu, era irmão, e tenho mais dois netos da outra. Um casal.
MAB:
E eles estão a estudar ou não estão, como é que é?
MS:
A minha filha que está em Évora, a Madalena já não estuda, já tem vinte e tal anos. Essa já não estuda. Agora
MO:
Mas estudou?
MS:
Estudou
MO:
Até quê?
MS:
Não lhe sei dizer. Até ao primeiro coiso, como é se diz, não sei. Não sei. Então e a outra já trabalha e é o meu Bruno que está em casa comigo, também andou trabalhando no desemprego, porque fez uns poucos de formações, mas não lhe entra nada na cabeça. Tem paralisia, então não lhe entra nada na cabeça. Então desde junho que está em casa, desde junho que está aqui em casa, então foi lá pedir o desemprego outra vez a ver se pelo menos ganhava para ele. Para ele, mas é para os estragos dele, não é para a comida, nem é para nada. Então só para maio, para computador.
MAB:
E a senhora está a ajudá-lo?
MS:
Claro. Foi, fez um estudo para pintura, para jardineiro e não sei para que foi mais. Foi para mais coisas, mas não lhe entra. Não fica lá nada na cabeça. Infelizmente.
MO:
Tem dificuldades
MS:
Sim, sim, sim.
MAB:
Mas tem os avós que também vão ajudando
MS:
Vamos fazendo.
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