Documento simples 0001 - Entrevista a Petronilha Galvoeira

Área de identidad

Código de referencia

PT/CIDEHUS/SHAMEM/VOZPLU/0003/0002/0001/0001

Título

Entrevista a Petronilha Galvoeira

Fecha(s)

  • 2024-01-23 (Creación)

Nivel de descripción

Documento simples

Volumen y soporte

70MB; suporte digital (mp4)

Área de contexto

Nombre del productor

(1994 -)

Historia administrativa

Fundado em 1994 , o CIDEHUS começou por designar-se “Centro de Investigação e Desenvolvimento em Ciências Humanas e Sociais”. A sua área disciplinar nuclear era então a Sociologia.

A sua atividade organizava-se em quatro grandes campos:
1) Sociologia do Desenvolvimento;
2) História da Europa do Sul e do Mediterrâneo;
3) Educação e formação profissional;
4) Linguística Geral.

Em 2001 , quando passou a ter na História a sua disciplina nuclear , mudou de designação para Centro Interdisciplinar de História, Culturas e Sociedades . Manteve a mesma sigla (CIDEHUS) e organizou-se em seis linhas:
1) O Sul: dinâmicas sociais e políticas
2) O Sul: culturas, discursos e representações
3) O Sul: património edificado, cultura material e arqueologia
4) Portugal e a Europa
5) Portugal e o Mediterrâneo
6) Portugal e os espaços de presença lusófona

Em 2007 , o CIDEHUS fixou a sua atenção nas problemáticas do Sul , condensando as anteriores linhas em três grupos:
RG1: O Sul e o Mediterrâneo: dinâmicas sociais e culturais
RG2: Património, Cultura Material e Arqueologia no Sul da Europa e no Mediterrâneo
RG3. Bibliotecas, Literacias e Informação no Sul

O programa nuclear foi de novo reajustado em finais de 2013 , configurando-se em torno de: «História, património e mudanças societais: um laboratório do Sul», ramificando-se em duas linhas temáticas, subdivididas em grupos – “L1: Mudanças societais” e “L2: Património e diversidade cultural” – e num grupo de articulação – Literacias e património textual.

O CIDEHUS assumiu então o modelo de laboratório para salientar o seu dinamismo e o seu interesse no conhecimento aplicado .

Em 2018 , o CIDEHUS sofreu uma nova reorganização, passando a dividir-se em apenas dois grupos:
G1 – Mudanças societais
G2 – Património, Literacias e Diversidade cultural.

Com esta alteração, o CIDEHUS pretende reforçar a coesão, estimular o trabalho colaborativo e potenciar as abordagens interdisciplinares.

No passado recente do CIDEHUS, destacam-se ainda os seguintes marcos institucionais:

  • 2013 – Criação da Cátedra UNESCO
  • 2014 – Criação do Laboratório de Demografia (DemoLab)
  • 2016 – Lançamento do CIDEHUS Digital
  • 2017 – Criação Laboratório de Turismo (Tourism Creative Lab).

Historia archivística

Origen del ingreso o transferencia

Área de contenido y estructura

Alcance y contenido

Composto pela gravação audiovisual da entrevista e a respetiva transcrição.

Transcrição Petronilha Galvoeira
Entrevistada: Petronilha Galvoeira (PG)
Entrevistadoras: Maria Ana Bernardo (MAB), Manuela Oliveira (MO)
Localidade: Nossa Senhora de Machede
Data: 23 de janeiro de 2024
Transcrição: Diana Henriques (07/02/2024)

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PG:
Petronilha Margarida Gaspar Galvoeira

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PG:
A minha idade? 88 anos

MAB:
E o nome

PG:
Petronilha Margarida Gaspar Galvoeira

MAB:
E a residência

PG:
Nossa Senhora de Machede

MVI_6462
PG:
Ó filha, a minha infância coitada. A minha mãe queria dar de comer à gente e não tinha dinheiro, para comprar o comer. O pãozito só era pago no verão, quando as minhas irmãs acabavam à ceifa, é que ia pagar o pão. E então éramos muitos.

MAB:
Eram oito?

PG:
Éramos oito filhos, já se sabia que a vida era custosa, não é. Mas tudo se passou. Metade já cá não estão coitadinhos, já tinham idade também de marchar e outros ainda cá estão a sofrer.

MAB:
E tinham trabalho todo o ano ou era só em algumas épocas do ano?

PG:
Não havia trabalho. De verão não havia trabalho

MAB:
Depois da ceifa, acabava o trabalho

PG:
Agora é que há sempre trabalho. Não havia casas para se ir trabalhar, não havia nada, era só o trabalho do campo.

MAB:
Era só o trabalho do campo. E mesmo esse trabalho do campo, se calhar, não era todo o ano ou era?

PG:
Pois não, não, não era todo o ano, não senhora. Não era.

MAB:
E como é que, quando as pessoas iam trabalhar, iam pedir trabalho ou eram os patrões que iam?

PG:
Não, eram os patrões que iam pedir

MAB:
Os patrões

PG:
Que era para a monda, para a ceifa, para a azeitona, trabalhos assim. Apanhar feijão, trabalhos assim tinham de ser feitos, então vinham pedir, meter a gente e a gente ia logo. Depois havia uma manageira, tinha uma irmã minha que era manageira de quase todo o lado. Manageira depois metia as pessoas e íamos trabalhar, e ao fim da semana recebíamos o ordenadozito, pouco naquele tempo. E era assim a nossa vida.

MAB:
E os trabalhos eram aqui perto ou às vezes eram mais longe?

PG:
Ai querida, eram longe. Sabe hoje onde é São Miguel de Machede, fui lá a pé. À monda, a pé, a São Miguel de Machede. Hoje já ninguém quer dar um passo a pé. Íamos por esses alquevas aí, a andar aí e em mais caminhos, veredas. A gente atravessava por aqui para não irmos, para aquela hora lá estarmos. Para enredarmos aquela hora. Foi muito sofrer.

MAB:
E a senhora, quando era criança, como é que era a sua vida?

PG:
A minha vida? A minha vida, com onze anos fui cavar feijão, para um monte, com o rancho. Ora com onze anos, a cavar feijão, feijão frade. A primeira sachadela que dei foi na cabeça do dedo do pé, ia descalça, ia descalça. Não tinha calçado, era descalça. E como eu muita gente, muita gente, muita gente. Pessoas já velhas que iam para o trabalho, com os pés enrolados em sacas, não havia dinheiro para comprar uns sapatos. É a verdade.

MAB:
E a senhora, não foi à escola ou foi à escola?

PG:
Não fui à escola. Só foi uma irmã minha e um irmão. Mais de resto não foi ninguém. A minha mãe não tinha dinheiro nem para um livro, nem para nada. Então como é que a gente podia ir à escola? E aquela minha irmã foi porque uma amiga lhe deu, uma gaiatita lhe deu os livros dela. E ela foi, e aprendeu é a que sabe ler bem. Essa ainda é viva.
MAB:
Havia muitos a ir à escola ou eram poucos a ir à escola? Do que se lembra.

PG:
Não, não iam muitos. Era tudo geral como eu, na minha geração era tudo igual. E tão poucos foram à escola, pouca gente. Era quase tudo igual e pronto.

MO:
O que comiam?

PG:
O que comiam querida, isso já não me lembra o que é que era o comer. Já não me lembra o que a minha mãe coitadinha arranjava para a gente levar, para se comer. Era o que ela podia arranjar. Mas já não me lembra, coisas ruimzinhas e poucas.

MO:
Pão, azeitonas

PG:
Pois, pois. Azeitonas pois

MAB:
Moravam numa casa que era vossa ou era uma casa arrendada?

PG:
À renda

MAB:
E tinham algum quintal para semear ou não?

PG:
Um grande quintalão. Isso de lume, havia sempre fartura de lume. Muita lenha, muita lenha, o meu avô, pai, era cortador, cortava. Havia sempre fartura de lenha, tínhamos sempre para lume.

MAB:
E tinham uma horta?

PG:
Tínhamos uma hortazita, mas não era nada filha, para tanta coisa não era nada.

MAB:
E aquilo que vestiam? Quem é que o fazia?

PG:
Olha coitadinhas. Umas pessoas que eram melhores, tinham mais, davam qualquer coisita. E outras, lá íamos andando vestidas.

MAB:
A sua mãe costurava?

PG:
A minha mãe cosia muito bem coitadinha. Trazia sempre tudo cosidinho. Fazia tudo pelas mãos dela.

MO:
À mão?

PG:
À mão, à mão, pois. Ai filha, eu já não me lembro de certas coisas, já nem me lembro delas. Já nem me lembro delas.

MAB:
Então a senhora começou a trabalhar com que idade?

PG:
Onze anos quando eu dei a cabeçada, quando dei nos dedos

MAB:
Com onze anos de idade

PG:
Com onze anos

MAB:
E depois a partir daí trabalhou sempre no campo ou não?

PG:
Sempre no campo, filha. Não havia empregos não havia nada. A gente era só terra por todo o lado, não era só aqui em Machede, era por todo o lado. Não havia empregos. Acabava aquele trabalho, parávamos. Deixávamos de ganhar.

MAB:
Exato. Era isso mesmo não era?

PG:
Deixávamos de ganhar, pronto.

MAB:
Até ao próximo trabalho, logo se via. Logo se via como é que era.

PG:
A minha mãe coitadinha, comprar fiado, comprar fiado, comprar fiado, comprar fiado. Ainda havia aquelas vendazitas ainda fiavam, porque no verão, era logo tudo pago. Ficava sem dinheiro outra vez. Depois disso tínhamos de começar outra vez na mesma vida.

MAB:

E a senhora ainda se lembra quando se trabalhava antes das oito horas e depois quando começaram a trabalhar só oito horas por dia. Lembra-se dessa fase?

PG:
Lembro, lembro. Aí já era casada.

MAB:
E como é que foi?

PG:
Foi bom para a gente, foi bom para a gente. Estávamos à ceifa, chegamos além, para enregarmos à ceifa, ninguém enregou. Enregavamos sempre ao nascer do sol, o sol a nascer e a gente a enregar, e enquanto, lembro-me tão bem disso, enquanto não bateram nas oito horas, não enregamos. Tudo, o rancho todo, por todo o lado. Pronto, aí pegaram tão bem as horas que não houve azar nenhum.

MAB:
Então, os ranchos estavam organizados?

PG:
Pois

MAB:
Então conte lá. Lembra-se como foi a organização para estarem ali todos?

PG:
Pois então, tiveram de se combinar, tiveram de se combinar antes. Agora vieram as oito horas, a gente temos de apanhar as oito horas, farta de sofrer está a gente. Pronto. Amanhã a gente vai e ninguém enrega se não forem oito horas. E o patrão não disse nada. A gente chegou as oito horas, enregamos a trabalhar. Pronto, até hoje.

MAB:
E a partir daí ficaram com as oito horas

PG:
Ficamos com as oito horas. Ele nunca disse nada o homem. Foi numa ceifa, num quintal aqui perto de mim, que isso foi.

MAB:
E era um rancho grande?
PG:
Um rancho grande

MAB:
Era na ceifa, era um rancho grande

PG:
Pois, homens e mulheres, verdade. Depois foi o 25 de Abril, agora estão a querer escavacar tudo.

MAB:
E a senhora há bocadinho estava a dizer, que quando foi as oito horas já era casada. Como é que a senhora começou a namorar, como é que era a questão dos namoros nessa altura, como é que começavam essas coisas?

PG:
Pois era então filha, a gente namorava às escondidas.

MAB:
Começou a namorar com que idade?

PG:
Comecei a namorar com treze anos. Tinha treze anos e tinha dezoito quando casei.

MAB:
E tinha dezoito quando casou

PG:
E bem casada

MAB:
E entre os treze e os dezoito são seis anos. Foi um namoro de seis anos. Às escondidas sempre ou não?

PG:
Foi sempre às escondidas, só ali os últimos dois anos é que o meu irmão me deu ordem, que o meu pai já tinha morrido.

MAB:
O seu pai já tinha falecido e o seu irmão é que tinha, que era o homem da casa?

PG:
O meu irmão é que era o homem da casa, era o mais velho, o mais velho. Ele é que me deu ordem. E então começamos a namorar à porta, dantes era sempre às escondidas. Sempre às escondidas, sempre, sempre, sempre.

MAB:
Embora toda a gente soubesse, mas o hábito era assim.

PG:
Pois o hábito era assim.

MAB:
E casou logo pela igreja ou juntou-se?

PG:
Juntamos

MAB:
Juntaram-se

PG:
Pois nesse tempo, era raro casarem por igreja.

MO:
Porquê senhora Petronilha?

PG:
Que não havia dinheiro, era só despesa. Lá está, não havia dinheiro para nos casarmos, era só despesa. E depois quando casamos pela igreja, que foi já numas casas aqui perto destas minhas, foi um cunhado e uma tia do meu marido, é que foram os padrinhos. Casamos, fizemos um jantarinho, almocinho, depois que viemos lá da igreja, casamos pela igreja, quando viemos da igreja, já tínhamos almocinho feito, e eles foram para casa deles e ficamos na nossa. Eu já há grandeza de anos que era casada.

MAB:
Já tinha filhos nessa altura ou não?

PG:
Já tinha o meu filho? Já tinha já. Já tinha o meu filho, já grande, para aí com sete ou oito anos

MAB:
Então e porque é que achou que nessa altura tinha que casar pela igreja?

PG:
Ora não sei porque é que foi, que havia uma coisa por causa disso do trabalho não sei de quê e tinham de ser casadas. Aqui já não me lembro bem, foi aqui uma coisa ou era descontos para a casa do povo, olhe era uma coisa dessas. Era uma coisa dessas. E então os que não fossem casados não tinham os descontos não sei para quê, que eles queriam, foi por causa disso é que foi. Não foi lá por dizermos que agora vou-me casar para ter mais amizade, não, que a amizade foi sempre igual. Demos sempre muito bem, muito bem, eu com o meu marido.

MAB:
E quando casou e foi viver para uma casa

PG:
À renda, à renda.

MAB:
E o que é que levava de enxoval? Levava ou não levava, como é que foi?

PG:
Levava, levava um enxovalzinho, sim senhor. Levava.
MAB:
Tinha feito o seu enxoval?

PG:
Tinha feito

MAB:
Como é que se fazia, como é que foi fazendo o seu enxoval?

PG:
Isso se fosse à hora, tinha muito dinheiro a pagar a mim.

MAB:
Foi a senhora que foi costurando e fazendo?

PG:
Pois, eu é que fui fazendo as minhas coisinhas

MAB:
Para quando se casasse?

PG:
Eu é que fiz as minhas coisas todas do enxoval. E o meu marido levou as coisinhas dele, da parte dele. Compomos a casa.

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MAB:
Quando foi para essa casa como era o recheio da casa, lembra-se?

PG:
Tinha fogão e tinha lume. Tinha lume e tinha fogão.

MAB:
E o fogão a petróleo?

PG:
A petróleo. Um fogãozinho a petróleo e tinha lume. Eu gostava muito de cozinhar no lume, na tigelinha de fogo, numa tigelinha de fogo, uma trempe. Eu gostava muito de cozinhar no lume, muito. À noite chegava do trabalho, acendia o lumezinho e quando o meu marido chegava do trabalho, já tinha o jantarinho feito. Era ceia, nesse tempo era ceia, agora é que é jantar, agora é mais moderno. E então já tinha isso tudo feitinho, pronto.

MAB:
E para ir lavar a roupa?

PG:
Isso era tudo à mão

MAB:
E onde?

PG:
Na ribeira, íamos para a ribeira.

MAB:
Era na ribeira

PG:
Pois, tinha lá um lavador, que era meu, eu chegava elas levantavam-se, que o lavador era meu. E então era meu o lavador e aí é que lavava a minha roupinha. Não havia luz filha, não havia luz, não havia água, não havia nada.

MAB:
E a água iam buscá-la aonde? A água para beberem, para cozinharem lá em casa.

PG:
Íamos ao poço. Ao poço é que a gente íamos buscar a água para bebermos e para cozinhar e lavar era à ribeira. E o banho também, era da do poço. Para banho era isso. Agora é banhos a toda a hora e a gente

MAB:
Era lá de vez em quando

PG:
Era lá de vez em quando, pois.

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MO:
O seu grupo de amigas, como era na sua juventude?

PG:
Na minha juventude, eu tinha duas amigas que eu gostava muito delas. Uma coitadinha já morreu, a outra está no lar, mas tinha mais. E então fazíamos assim, hoje elas vinham brincar cá para a minha rua e no outro dia eu ia brincar lá para a delas. Fazíamos um lumezinho, parecia que havia de ser ali um lume verdadeiro, mas não era. Púnhamos ali uma pedrazinha que era o madeiro, púnhamos mais umas coisinhas além, para compor aquilo e fazíamos uma casinha. Assim é que era as nossas brincadeiras filha, não tínhamos brincadeiras de luxo, não tínhamos, era assim é que era.

MAB:
E depois quando era mais velha, já tinha treze anos

PG:
Então aí já eu trabalhava, já olhava para a sombra

MAB:
E que divertimentos é que havia aqui em Nossa Senhora de Machede, havia bailes?

PG:
Havia, havia, havia bailes.

MAB:
A senhora ia aos bailes?

PG:
Fui a alguns. As minhas irmãs iam, pois iam sempre, e eu ia, mas levava sapatos grossos delas e meias de grossas, do trabalho, para não ir descalça. Não tinha calçado para levar e depois elas não queriam que eu fosse aos bailes com elas, porque eu ia descalça.

MAB:
Porque era das mais novas, portanto

PG:
Pois, pois claro. Não tinha calçado e elas não me queriam levar e eu enfiava calçados delas e lá marchava. A minha mãe coitadinha, vá anda, anda e iam com os da minha mãe, mas elas todos os caminhos esgadanhavam.

MAB:
Os bailes eram em Nossa Senhora de Machede ou também havia nos montes?

PG:
Não, não, sempre aqui na sala, uma sala grande, boa.

MAB:
Havia uma sociedade recreativa?

PG:
Sim, sim. Aí é que eram os bailes. Era uma sociedade onde eles iam fazer teatros, estava além o palco, onde estava o palco e as pessoas iam representar. Tanto que eu gostava de ir ver os teatros. Ia sempre.

MAB:
Quando havia teatros ia sempre? Mesmo de quando ainda era jovem?

PG:
Sim, mesmo quando era jovem ia. Pois já faziam, já, que ainda era gaiatola.

MAB:
E quem é que fazia esses teatros? Eram pessoas daqui?

PG:
Eram tudo pessoas daqui

MAB:
Eram pessoas daqui é que faziam os teatros

PG:
Eram pessoas daqui que faziam os teatros e uns teatros bem feitos, diga-se a verdade

MAB:
E música havia?

PG:
Havia música, tem havido sempre música, uma banda de música, ainda hoje há. Ainda hoje há.

MAB:
E já havia na altura em que a senhora era jovem?

PG:
Lembro-me disso, lembro-me de ouvir música, pois.

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PG:
Quando era gaiata, tinha aí os meus sete anos, oito anos e a minha mãe dizia-me assim: Vai filha, vai lá ao pão. E eu ia, de manhãzinha, com frio, que era para aviar às minhas irmãs que iam para o trabalho. E filha, mas a fome era tanta que eu com o dedo, fazia um buraco no pão, tirava-lhe o miolo todo. Chegava lá a casa sem a minha mãe dizia assim, e eu só dizia assim: Ó mãe quero um bocadinho de pão. Então como é que eu te dou pão, então se o pão não tem miolo, tu tiraste-lhe o miolo todo. Então eu agora vou fazer o quê? E as tuas irmãs?
Eu já tinha o miolozinho todo na barriga, veja lá, se eu não andava cheia ou não andava.

MAB:
Se era uma vida ou não era. Era.

PG:
Quem ouvisse isso havia de dizer Nossa Senhora, aquela coitada.

MAB:
Não, era uma criança a tentar sobreviver.

PG:
Tinha sete anos, tinha aí uns sete anos. E a minha mãe coitadinha para aviar às minhas irmãs, só lhe encontrou a côdea de fora, o miolo já estava todo na minha barriga. É verdade, é verdade isso. Arrumava-me ali no quintal de uma vizinha além, arrumava-me numa parede, antes de chegar à da minha mãe, antes de chegar a casa, arrumava-me a uma parede, ali ao solinho, estava frio, ali ao solinho olha truz truz truz, olha truz truz truz, batia-lhe o todo.

MAB:
Lá ia o pão.

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MAB:
Foi ainda antes um bocadinho do 25 de abril ou foi já depois?

PG:
Já depois

MO:
Conte lá

PG:
Já depois. Já depois é que ele começou a melhorar.

MAB:
Já depois do 25 de abril?

PG:
Pois claro. Depois do 25 de abril é que elas começaram a melhorar.

MAB:
Em que aspeto?

PG:
Enquanto essa gente lá estiveram filha, foi só fome. Por isso é que eu passei fome, porque essa gente lá estavam. Assim que de lá abalaram, assim que se sumiram de lá, nunca mais passei fome. Vim para a minha casa, nunca mais passei fome. Nunca mais. E enquanto lá estiveram, é a fome que aí está dita, que é verdade.

MAB:
Acha então que as coisas de facto melhoraram depois?

PG:
Na minha ideia, na minha ideia foi.

MAB:
Depois do 25 de abril?

PG:
Ó filha, então o que é que era o 25 de abril para trás o que é que foi? Fome, desemprego. Nem trabalho no campo havia. Só quando eles faziam, quando queriam fazer uma semente de uma coisa qualquer, de um feijão, de uma coisa qualquer, que precisavam das pessoas. O resto do ano já não queriam saber delas.

MAB:
Era assim.

PG:
Pois. É verdade

MO:
Conte mais um bocadinho, depois já havia emprego, como é que foi?

PG:
Então já havia mais trabalho, nunca mais faltou um trabalho. Nunca mais, porquê? Primeiro começaram nas agrárias, era um contingente de gente que havia nas agrárias, tudo ia trabalhar e chegava para pagarem à gente e para darem uma coisinha à gente. E deles não chegava a nada. Nunca tinham dinheiro para dar ao pobre. Nunca. Pois.

MAB:
Havia trabalho todo o ano?

PG:
Aquilo que a gente trabalhávamos era tudo só para eles, tudo só para eles. E as agrárias não. As agrárias era para, alguma coisinha que sobrava, era espalhada.

MAB:
A vida das pessoas melhorou e elas começaram a ir melhorando as suas casas

PG:
Pois, pois claro.

MO:
A ter água em casa, conte como é que foi depois do 25 de abril como é que a sua casa ficou melhor.

PG:
Então fiquei com água e com luz. A primeira foi essa. Foi luz e água, apareceu-me logo luz e água. Então e onde é que ela estava metida? Onde é que essas duas coisas estavam postas, que não chegavam à gente?
Depois disso é que chegou.

MO:
E mais? Em termos de comida e de

PG:
E de tudo. O meu marido coitadinho ainda foi um ano, dois anos à Suíça para ganharmos para comprarmos a casa. O que tínhamos não chegava, está a ouvir. Foi lá dois anos, fez duas épocas de doze meses, nove meses cada ano. Assim com o que tínhamos e com o que ele lá ganhou, chegou compramos a casa. Depois foi tudo amanhado e tudo a fez de novo. Aí já tive dinheiro, porque ganhava e andava cá a trabalhar todos os dias e ele lá a ganhar. Ele lá era poupado e eu cá era poupada. E dantes quando tinha fazia a mesma coisa, porque tinha de poupar à força. Não tinha, tinha de poupar à força. Depois chegou-me, chegou-me para fazer essas coisinhas todas.

MAB:
A senhora lembra-se depois do 25 de abril das primeiras eleições que houve, se as pessoas iam votar, se sabiam? Mas uma coisa antes, como é que a senhora se lembra de ter notícias, que estava a acontecer aquilo que hoje nós sabemos que é o 25 de abril? Tem memória disso?

PG:
Ouvia na televisão.

MAB:
Mas ainda não tinha televisão ou já tinha?

PG:
Tinha, foi na televisão que eu ouvi isso. Um café que além, estava tinha uma televisão e a gente íamos lá ver, pagávamos dez tostões, para irmos ver. Aí é que nós íamos ver as notícias e as coisas, sabíamos o que se estava a passar tudo.

MAB:
Do 25 de abril?

PG:
Esse homem tinha televisão, nós ainda não tínhamos

MAB:
E depois aqui na aldeia, começou a notar assim algumas mudanças, as pessoas a falarem mais, a interessarem-se do que estava a acontecer no país ou não?

PG:
Isso não sei, estava na minha casa e não sei.

MAB:

Cada um continuava a fazer a sua vida?

PG:
Eu continuava a fazer a minha vida, não estava cá a ver a vida de ninguém.

MAB:
E depois vieram as primeiras eleições

PG:
Eu votei sempre, todos os anos votei, todos os anos votei, sempre.

MAB:
Até hoje?

PG:
Hoje é até há dois anos que eu não voto.

MAB:
Há dois anos que não vota?

PG:
Não tenho vontade de abalar daqui, não sou capaz

MAB:
Mas tem votado sempre?

PG:
Tenho votado sempre. Pois. E é assim a vida. E voto naquele que vejo que faz alguma coisinha a mim. Aquele que faz alguma coisinha a mim é nesse que eu voto. Eu votava, que eu agora já não voto.

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MAB:
Melhorias

Mo:
Creches, género de

PG:
Centro de dia

MO:
Diga tudo o que acha que melhorou na vida das pessoas

PG:
Está o centro de dia, está a creche, está o infantário para as mães irem trabalhar, está o lar. Está muita coisinha que aumentou, sim senhoras há. Há sim senhora. Há muita coisinha que aumentou depois disso.

MAB:
E acha no que diz respeito às mulheres, acha que as mulheres agora têm mais liberdade, podem dizer mais aquilo que pensam

PG:
Isso eu não sei querida. Eu estou aqui desde dias inteiros que não vejo ninguém.

MO:
Quando a senhora era criança a sua mãe participava assim em muitas coisas, falar à vontade. Se podiam ir aqui e

PG:
A minha mãe não era pessoa que dissemos assim tem partidos disto ou tem partidos daquilo

MAB:
Naquela altura

PG:
Naquela altura era assim. Não existia essas coisas. E nem tinha vida para isso coitadinha, e nem tinha vida para isso. E a gente se abriu o olho, foi agora já depois do 25 de abril que a gente abriu os olhos, que a gente tinha-os fechados também. Não havia nada também.

MAB:
A senhora falou nas cooperativas, tem ideia de como se formaram as cooperativas?

PG:
Não sei que ela já estava formada quando eu fui.

MAB:
Mas não percebeu como é que elas se formaram, é porque a senhora estava cá. O seu marido, entretanto, tinha emigrado, mas a senhora estava cá?

PG:
Pois

MAB:
E não percebeu como é que se formaram as cooperativas, como é foi isso?

PG:
As cooperativas formaram-se, arranjaram aquele grupo de homens e foram lá ter às agrárias, aos montes. Acho que foi assim filha, isso então não lhe sei explicar.

MAB:
E depois a certa altura a senhora foi trabalhar também para uma cooperativa

PG:
Depois para essa onde eu fui, depois digo assim, acabei o trabalho onde andava e disse para uma irmã minha: Ei de ir pedir para ver se eles me metem para lá para a agrária. Então vai. E eu disse ao homenzito que lá andava e o homem meteu-me logo. Pronto andei lá até ao fim, mas já lá estava há muito tempo, já era agrária há muito tempo já.

MAB:
A senhora não foi logo no início, mas ficou lá até ao fim. Ainda trabalhou lá uns anos.

PG:
Ainda trabalhei durante uns anos.

MAB:
Depois aqui quando as agrárias terminaram

PG:
Pois aí não, aí já eu estava reformada

MAB:
Pois a senhora já estava reformada. Mas para as mulheres um bocadinho mais novas

PG:
Foram para a cidade trabalhar

MAB:
Pronto. Quando as agrárias acabaram foram para as cidades trabalhar.

PG:
Trabalhar a dias coitaditas, fazerem vida. Outras meteram-se além no centro de dia, outras meteram-se no lar a trabalhar e estão assim governadas

MAB:
Foi a solução depois do final das cooperativas

PG:
Elas continuaram a trabalhar à mesma, nunca ficaram ricas. Nunca ficaram ricas. Pois nunca ficaram ricas para dizermos assim: Agora fico na minha casa, já estou rica que andei na agrária. Pois não. Tiveram de ir trabalhar à mesma para comerem, pois.

MAB:
Quando a agrária acabou

PG:
Quando a agrária acabou. Pronto, quem nasce pobre é pobre até morrer, filha. E quem nasce rico é rico até morrer também.

MAB:
Mas agora pode votar ou a partir de certa altura pode votar

PG:
Os pobres?

MAB:
Os pobres

PG:
Pois, a partir de certa altura puderam votar.

Valorización, destrucción y programación

Acumulaciones

Sistema de arreglo

Área de condiciones de acceso y uso

Condiciones de acceso

Condiciones

Idioma del material

Escritura del material

Notas sobre las lenguas y escrituras

Características físicas y requisitos técnicos

Instrumentos de descripción

Área de materiales relacionados

Existencia y localización de originales

Existencia y localización de copias

Unidades de descripción relacionadas

Descripciones relacionadas

Área de notas

Identificador/es alternativo(os)

Puntos de acceso

Puntos de acceso por materia

Puntos de acceso por lugar

Puntos de acceso por autoridad

Tipo de puntos de acceso

Área de control de la descripción

Identificador de la descripción

Identificador de la institución

Reglas y/o convenciones usadas

Estado de elaboración

Final

Nivel de detalle

Parcial

Fechas de creación revisión eliminación

Idioma(s)

  • portugués

Escritura(s)

  • latín

Fuentes

Objeto digital (Ejemplar original), área de permisos

Objeto digital (Referencia), área de permisos

Objeto digital (Miniatura), área de permisos

Área de Ingreso

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